domingo, 22 de março de 2015

O real fardo do homem branco

Sou homem. Sou hetero. Sou branco. Sou de clásse média. Nasci em Porto Algre. Cresci no estado do Rio. Fiz meus estudos universitários em São Paulo. Em suma, estou do lado "vencedor" em muitos sentidos. Provavelmente por ter nascido e crescido em uma família maravilhosamente esquerdista, sou favorável a todas as causas subalternas. Tenho orgulho de não ser parte desse lixo egoísta que não quer pagar impostos dizendo que "vai tudo para a corrupção", quando na verdade só não querem uma distribuição de renda. Sou a favor das cotas. Apóio a causa LGBT. Amo o nordeste. Acho o feminismo uma das melhores invenções da história. Adotei uma lésbica e acho, do fundo do meu coração, que foi disparado a melhor coisa que fiz nesta vida. A coitada tem de ficar o tempo todo me expulsando porque minha vontade é ficar abraçando ela o dia inteiro, o que evidentemente a faz se sentir constrangida (com toda a razão).

E uma das coisas que mais odeio nesta vida é ver gente como eu bancando os coitados. Governo rouba nosso dinheiro ganho honestamente para sustentar nordestinos preguiçosos. Mulheres mandam no mundo, nem podemos mais dar porrada nelas. Gays dominam o mundo. Mil vezes ver filmes repletos de assassinatos do que ver pessoas do mesmo sexo se beijando em novela. Como vou explicar isso para meus filhos? Tudo é para os negros, o mundo está racista ao contrário. Essas bostas que fazem o sucesso dos Bolsonaros da vida. Um bando de gente merda que tem tudo e ainda acha pouco. Deus me mantenha longe dessa gente.

Posso imaginar vagamente o que seja estar do lado subalterno. Tudo joga contra. Certamente é uma coisa horrível. Entendo totalmente que isso faça alguém ao menor sinal de hostilidade ver um inimigo espreitando para exercer uma vez mais seu poder. Não há hipótese nesta vida de eu dizer que isso é errado. É fruto de uma dolorosa experiência de dominação baseada em motivos indefensáveis. Isso não está em discussão aqui. Meu ponto é outro.

Muitas vezes em meus 42 anos de vida fui estigmatizado como preconceituoso. Fui xingado em mesas redondas contra o racismo por ser branco. Fui taxado de homofóbico por não gostar de alguma pessoa homossexual. Me chamaram de machista e misógino dezenas de vezes. Ontem mesmo ouvi um "pessoal do sul odeia nordestino". De alguém que sabia que eu sou gaúcho, sabe perfeitamente que escolhi morar no nordeste e que amo o Recife. Durante toda a minha vida achei essas coisas tranquilas. Um preço mínimo a pagar perto do que essas pessoas passam. Mas sinceramente esse é um ponto que comecei a questionar.

Pelo seguinte: só existe um jeito do mundo melhorar, e esse é o diálogo. Caramba, se eu falei algo que não devia, me digam. Não preguem adjetivos na minha testa. Tenho a mais absoluta certeza que penso e digo coisas machistas, racistas e homofóbicas. Eu nasci e cresci num mundo assim. Na verdade nasci e cresci num mundo muito pior, em que era de boas falar "por que o mundo é redondo? pros pretos não cagarem nos cantos". Esse dia existiu, e não foi muito distante. As coisas melhoraram porque os subalternos se organizaram e gritaram. Não suportaram mais a situação. No que fizeram muitissimo bem. Hoje temos um mundo muito melhor por conta deles. Nos mostraram o quanto tudo era absurdo demais, hierarquico demais, opressivo demais. Obrigado por isso.

Mas por favor, não presumam que todo homem é deliberadamente machista. O mundo é machista. Se fazemos algo machista, conversem, nos expliquem, não fiquem pregando adjetivos na nossa testa. O mesmo para o racismo, a homofobia e todo o resto. Muita gente é insoluvelmente babaca e escrota. Simplesmente não querem sair da sua posição dominante. Em relação a esses, nada vai fazer efeito. Mas muitos de nós querem entender e melhorar. Nos ajudem. Julgar e criticar não é a melhor solução nesses casos. Dizer "cara, você está sendo machista por isso e aquilo outro" pode ser muito útil. Melhoremos juntos, por favor.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Sobre os protestos

Confesso que fiquei um pouco preocupado com o tom geral da reação dos governistas e da esquerda como um todo em relação às manifestações de ontem. Em geral se visou desqualificar os eventos pela predominância das pessoas bem situadas socialmente, muitas imagens de cartazes absolutamente idiotas que apareceram e a inevitável lembrança dos débeis mentais que tem saudade de uma ditadura que eles nem devem saber o que foi.

Essas coisas são todas muito reais. Mesmo a única manifestação que realmente teve um público expressivo, a de São Paulo, teve clara predominância de pessoas das clásses médias e alta. Chegava a ser assustador ver em Salvador, a capital negra do país, fotos do evento que mostravam uma marcha só com pessoas brancas. Muitas dessas pessoas estão lá pelos piores motivos: falam de corrupção quando na verdade são apenas um bando de egoístas que não querem pagar impostos. Dizem "não adianta pagar imposto pois vai tudo para os corruptos", uma justificativa fácil e insustentável, que mal esconde o ódio de ter um governo que tem políticas sociais. Dentro de seu inominável umbiguismo, não conseguem entender que um governo faça distribuição de renda às custas deles. E fodam-se os outros.

Sobre os defensores da ditadura, sejamos francos: é uma minoria minúscula. Quando fazem eventos próprios o número de participantes é ridículo. Falo de 10, 20 pessoas. Ninguém está interessado nisso. Não vai acontecer. Não é uma possibilidade real. Mais fácil voltar a monarquia que termos uma ditadura militar. Essa gente aparece nesses eventos mais, digamos, "ecumênicos" e atraem holofotes pela imbecilidade de suas proposições. Ostentam um discurso sem nexo e são vistos como ameaças reais. Gente, vamos parar com isso. Se preocupar com essa gente é o exato equivalente esquerdista da direita que fala que o Brasil é comunista. Isso só serve pra dar visibilidade para um projeto ridículo e sem chances de sucesso enquanto se desqualifica todo um evento. Não façamos isso. É feio. Sabemos que não eram protestos pedindo a ditadura. Eram protestos com todo tipo de visão hostil ao governo com alguns Zé Ruelas no meio defendendo ditadura.

A parte das pessoas sem noção não há muito o que discutir, sobram na internet cartazes e entrevistas assim. Até uma MULHER com uma faixa "feminicídio sim" apareceu (ou seja, ela é a favor que matem mulheres como ela só porque a Dilma sancionou uma lei específica contra o feminicídio). Mas minha gente, será que do nosso lado todo mundo é gênio? Tipo, entendo que se ridicularize essas pessoas, inclusive por elas geralmente serem as mesmas que acham que pobre e nordestino não sabe votar e se considerem a elite intelectual da nação. Mas convenhamos: isso não serve para deslegitimar um evento.

Sim, eu sou bastante antipático ao que houve ontem, e fico feliz que, ao menos que eu tenha visto, ele só tenha tido relevância em São Paulo, capital de um estado que elege governadores do PSDB desde 1994. O que, aí sim, me parece ser algo que pode ser usado para relativizar as dimensões do que houve: aquelas pessoas com toda a probabilidade votaram em Aécio. Ou seja, já estavam na oposição e muito provavelmente estão desde 2002. O que mostra que essas pessoas estão sim indignadas o bastante para sair de casa num domingo (o que não é pouca coisa), mas dificilmente representam um declínio do apoio ao governo, pois nunca estiveram do lado dele.

Mas há dois contrapontos aqui. O primeiro é que não adianta fingir que o único motivo para não gostar do governo é ser um coxinha babaca que quer a ditadura de volta. Há motivos de queixa sim. A meu ver muitas daquelas pessoas, a grande maioria, reclamava pelos motivos errados. Mas não precisamos agir como se não houvesse motivos de queixa. Há sim, e não são poucos. A inflação subiu, há perspectivas de recessão e o governo resolveu cortar custos ferrando trabalhadores. Se isso não é motivo para reclamar, não sei o que é. E precisamos saber lidar com isso. Fingir que qualquer queixa é sinal de elitismo e coxinhice é exercer o auto engano que tanto criticamos (com razão) nesse pessoal da oposição.

E também há o fato de que o governo não está sabendo lidar com a situação difícil. Dois exemplos õbvios: 1) o abominável ministério do segundo governo, fruto da avaliação de que dar mais sangue para os vampiros garantiria a fidelidade dessa gente nesses tempos difíceis que vem por aí; 2) A desastrosa estratégia de colocar membros do governo na TV ontem, apenas amplificando os eventos do dia. Só por aí se vê que temos um governo comandado por alguém sem nenhuma habilidade política e claramente muito mal assessorada. As coisas não caminham bem para o governo, e ele não sabe reagir. Isso é um fato.

sábado, 14 de março de 2015

Está faltando respeito

Mês passado eu estava em Portugal. Vi no face um link para uma matéria que dizia que o salário mínimo brasileiro tem atualmente o maior poder de compra em não sei quantos anos. A fonte pareceu confiável, os dados eram sólidos. Compartilhei. Uma pessoa compartilhou minha postagem dizendo "olha as mentiras que a petralhada conta" (não lembro as palavras, mas foi nesse sentido).

Caramba. A pessoa em questão não é propriamente próxima a mim, mas é amicíssima dos meus pais há décadas. Me viu nascer e crescer. Sabe quem sou eu. Precisava praticar algo tão agressivo? Tipo, eu não opinei, não disse que o governo era maravilhoso e perfeito, apenas compartilhei um link. Se o dado pode ser contestado, que se conteste. Nenhum problema. Estou cansado de saber que esses sites governistas podem perfeitamente jogar na rede algo não confiável. Adoraria aprender com uma discussão em que se contestasse um dado a favor do governo. Mas isso não foi feito. Houve apenas xingamento.

Infelizmente não se trata de um fato isolado. O fenômeno é muito comum. Em um nível que eu não vi nem no polarizadíssimo segundo turno de 1989, quando eleitores do Collor falavam "você vai votar no Lula? Quer uma família de favelados morando na sua casa?". Isso era horrível mas hoje parece um afetuoso abraço. As coisas pioraram muito. Sexta fui à manifestação da esquerda aqui no Recife e vi um minúsculo punhado de gente vermelha, com as veias do pescoço saltadas, berrando com todo o ódio do mundo "governo de merda, bando de ladrões, vocês todos estão recebendo para estar aqui, vão morar em Cuba e nos deixem em paz!".

E não é só isso. Eu, talvez ingenuamente, achei que com o fim da eleição as pessoas ficariam mais calmas. Quando terminou a apuração respirei aliviado pensando nos meus amigos que pensam totalmente diferente de mim mas que foi possível manter a amizade e o respeito. Mas não foi o que aconteceu. A coisa piorou. A derrota nas urnas deixou a maioria dessas pessoas absolutamente surtadas. Gente que eu respeito, que eu amo, que ponho a mão no fogo por elas, passou a ser capaz de me xingar. Trouxa, otário, membro de uma manada de corruptos, coisas assim. Só por minha opção política ser diferente da delas.

(Parêntesis: sou eleitor do governo, então sinto isso da parte de pessoas da oposição. Não duvido que a mesma coisa aconteça no sentido contrário. nunca vi, mas não duvido nem por um segundo que exista. Idiotice não escolhe ideologia)

Fico me perguntando como chegamos a esse ponto. Me ocorrem explicações racionais, como o açodamento diário dos grandes veículos de comunicação, que cada vez mais escolhem colunistas nessa linha para garantir mais "Likes" e "shares", que é o que mais importa hoje. Mas não pode ser só isso. Ninguém nunca me xingou por não gostar muito de batata frita, achar maminha melhor (muito melhor) que picanha, não querer ter carro, achar o Armindo Antonio Ranzolin o maior narrador de futebol de todos os tempos ou ter uma linda poodle chamada Nina. Muita gente discorda dessas escolhas. Mas nunca me xingariam por isso. Seria idiota, não é mesmo?

Mas pessoas absolutamente excelentes andam me xingando por minhas opções. Não gostam do governo, no que estão em seu completo direito, e acham que é correto invadir o meu espaço para falar grosserias, incluindo comparar pessoas que defendem a Dilma a criminosos. Não consigo encontrar explicação racional para isso. Tem muito idiota no mundo, e disso a gente sabe bem. Mas o que explica pessoas amáveis, inteligentes, delicadas, de ótimo caráter, xingarem alguém por discordarem de sua opção política? Isso eu não consigo entender.

Abaixo segue um vídeo mítico da Disney, que vi na infância repetidas vezes, mostrando um personagem tranquilo, bom caráter, virando um monstro quando sentava ao volante. Por favor, não façamos o mesmo quando falamos de política.


domingo, 8 de março de 2015

Como sobreviver num mundo repleto de chorume?

Neste domingo tive duas conversas com grandes amigas minhas, pessoas absolutamente queridas com quem eu falo praticamente todos os dias. Uma jornalista, de Recife, outra professora de história do Rio Grande do Sul. Seguramente as duas ignoram a existência da outra, mas me procuraram no mesmo dia com a mesma questão na cabeça. Como eu também rumino essa mesma questão diariamente, suponho que seja algo que esteja atormentando muita gente.

O tema era: o que fazer quando ouvimos algo absolutamente inaceitável? Veja, não estamos falando aqui de questão de gosto. Tipo votar no PSDB, torcer para o Flamengo, gostar de jiló, achar Rolling Stones melhor do que Beatles e outras coisas que eu jamais conseguirei entender mas claramente são escolhas válidas. Falo de ouvir alguém dizer que nordestino é ignorante, que feministas são nazistas que odeiam homem, que cotas raciais são racismo contra os brancos, que lésbica é uma mulher que não foi bem comida, que vivemos uma ditadura gay, que o Brasil é bolivariano, que quem é comunista tem de viver na miséria, que quem gosta do governo deveria morar em Cuba, etc. Você entendeu. Certamente também ouve ao menos uma dessas imbecilidades diariamente.

Essas coisas nos colocam diariamente frente a um dilema. Pois quando ouvimos algo assim temos duas opções, nenhuma das duas isenta de problemas. A primeira é pensar que é melhor evitar a fadiga. Ficar na sua, engolir a raiva, até porque não faz sentido discutir com imbecil que certamente não está aberto a ouvir opiniões contrárias. Até aí tudo bem. Mas o diabo é que no fundo a gente sabe perfeitamente que está deixando passar um discurso escroto e excludente, o que de alguma forma nos torna cúmplices dele. E vamos falar a verdade: a gente deixa passar para não se irritar, mas passa fica irritado do mesmo jeito. Fica remoendo aquelas palavras absurdas e passando raiva.

A outra opção é tentar discutir civilizadamente. O que racionalmente também é plenamente justificável. O problema é que quem diz coisas assim não costuma prezar muito pela racionalidade. Geralmente são pessoas que se guiam pelo ódio e por preconceitos milenares. Aí a coisa acaba tendo duas possibilidades. Uma é um diálogo infinito em que uma pessoa respeita a outra e não é respeitada ("ah, lá vem você defender esse bando de veados", "hipócrita, morar em Cuba você não quer, né?" "Petralha é isso mesmo, tudo idiota que sofreu lavagem cerebral"). A outra, absolutamente inacreditável, é a pessoa bancar a vítima: pobre de mim, fiz uma brincadeirinha de nada e estou aqui sendo crucificado, ninguém pode falar mais nada, cadê a liberdade?

De todos os tipos desprezíveis que habitam este planeta, poucos me geram tanto desprezo quanto este último. A pessoa que acha que tem o direito de dizer o que quiser desde que seja em tom de brincadeira (tipo um "hahahah" no fim da sentença tem o poder mágico de eliminar qualquer brecha de acusação de preconceito). A pessoa que faz críticas pesadíssimas e desqualificadoras a um grupo qualquer, mas no primeiro questionamento vem com o AI NOSSA NÃO SE PODE FALAR MAIS NADA, CADÊ A LIBERDADE DE EXPRESSÃO? A pessoa que pertence a um grupo privilegiado e quer ao mesmo tempo ostentar um discurso opressor e bancar o oprimido, dizendo "questionar a ditadura do politicamente correto" ("odeio gay, falo mesmo, não me sujeito à ditadura do politicamente correto", etc.). Ou então tenta fazer parecer que o erro é seu. Você é que é muito sensível ("poxa, voce se ofende com qualquer coisa...", e as vezes impiedosamente acrescentam, para parecerem super coitados "desculpa se te ofendi", aquela desculpa que é menos genuína que uma nota de 3 reais com a cara do Pelé).

E a situação é horrível quando se ouve isso tanto da parte de gente que voce conhece pouco quanto quando vem de pessoas próximas. No primeiro caso a questão é: "vale a pena perder tempo com essa pessoa de merda que tem opiniões imbecis?". Mas é mais dolorosa no segundo caso. Gente que você gosta, às vezes até ama, que você sabe que faria qualquer coisa por você, gente confiável, coração maravilhoso, mas que diz essas coisas. E às vezes não apenas diz. Repete, repete, repete e repete infinitamente. Por vezes repete exatamente por saber que você pensa o que pensa. Aí o dilema chega num ponto em que você realmente fica paralisado. E agora? Ficar quieto perante um discurso escroto e excludente ou correr o risco de perder pessoas que, apesar de acharem coisas assim, são ótimas e te fazem bem? Dilema devastador.

No fim das contas o post não responde a pergunta feita no título. Eu realmente não sei o que fazer a respeito. Acho que há casos e casos. Ultimamente confesso que ando numa fase mais confrontativa. A radicalização política gerou uma insanidade generalizada (dos dois lados, diga-se) que invadiu o debate sobre outros temas. Pessoas doces, boas, queridas de repente estão xingando amigos e parentes. O nível de desrespeito está alto demais. Então ando meio sem paciência e partindo pro pau. Mas confesso que não recomendo essa postura. Como disse antes, não vejo uma postura que seja "correta". A existência de pessoas que pensem essas coisas é algo tão ruim, mas tão ruim, que eu realmente ainda não aprendi a lidar com isso.

sábado, 7 de março de 2015

O mundo depois da lista

Antes de começar quero deixar uma coisa absolutamente clara. Este post é escrito analisando a situação do ponto de vista da realpolitik, que é o ponto de vista de todos os políticos de todos os tempos. Não é o meu, e provavelmente não é o seu. Mas se vamos pensar nas ações de políticos temos de tentar enxergar as coisas pelo ângulo que eles veem. Só isso.

A "lista de Janot" foi aguardada ansiosamente por todos, causando terror nos meios políticos. E quando ela chegou, ficou claro muito rapidamente quem havia sido o grande vencedor: o governo. Dilma obteve uma vitória pessoal espetacular ao não ter sido citada, como muitos esperavam. Mas não foi só isso: ao contrário de Aécio, que teve seu processo arquivado, dela sequer se encontraram indícios de envolvimento no esquema investigado. Ela saiu limpa e agora pode partir para a ofensiva.

Sim, o PT não saiu tão bem na foto. Teve vários indiciados, e um caso potencialmente explosivo, o de Cândido Vacarezza. Que se abrir a boca pode complicar muita gente do governo, ao que se supóe. Mas a situação era conhecida há tempos, e certamente já se trabalhava para que ele adote a postura de Delúbio Soares, e fique quieto. Mas de toda forma, já se esperava que esses nomes aparecessem. Ou seja, em relação às expectativas, o partido teve um desempenho não tão mau assim.

O PSDB teve uma enorme derrota, a citação de Antonio Anastasia. Cria política de Aécio, seu sucessor no governo de Minas, seu coordenador de campanha presidencial. Ou seja, ligadíssimo ao candidato derrotado à presidência, e que, graças ao sufoco que deu em Dilma, se transformou em referência nacional do partido. É absolutamente impossível argumentar que Aécio não tem nada a ver com isso ou que não sabia. Corrigindo: possível é, mas só com muita força de vontade e capacidade de estuprar a lógica.

O fato de Aécio ter tido seu processo arquivado é uma boa e má notícia para o PSDB ao mesmo tempo. É boa por evitar danos maiores, pois se Anastasia é desconhecido da maioria dos brasileiros, Aécio foi a face do PSDB nas últimas eleições. Mas o simples fato de ter sido investigado já soa como mancha. E o arquivamento desperta inevitáveis suspeitas de que a blindagem tucana tenha funcionado mais uma vez. Para piorar, há o episódio de Furnas. Aécio se enfraquece tremendamente com isso tudo, ainda que por ora tenha controlado os danos de forma eficiente.

Os grandes derrotados foram PMDB e PP. Esses dois partidos, como descrito no post anterior, não tem qualquer ideologia, sequer lançam candidato a presidencia desde o século passado e se especializaram em formar grandes bancadas no congresso para tornar impossível que qualquer um governe sem eles. Em troca de apoio parlamentar exigem ministérios, geralmente com orçamento gordo e grandes possibilidades de lambuzar-se no dinheiro público. Se me permitem um momento de opinião, e não de análise, eu acho que o Brasil será um país muito melhor no dia que não tivermos partidos assim. Pois PT e PSDB, por mais contraditórios e cheios de defeitos que sejam, tem projetos para o país. Mas carregam esses aliados corruptos, que defendem uma agenda atrasadíssima e bloqueiam um avanço mais significativo.

Esses partidos foram os dois mais citados na lista (se houve erro na conta me perdoem, sou de humanas). O PP foi o mais citado, especialmente sua bancada gaúcha, historicamente ligada aos setores ruralistas. Em seguida vem o PMDB, com destaque especial para os presidentes das duas casas legislativas, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. Isso apenas confirma o que sabe qualquer observador racional: que são partidos que existem apenas para essa finalidade: defender interesses altamente questionáveis e mamar nas tetas do Estado. Mas há implicações políticas sérias no contexto atual.

O governo começou com Dilma de joelhos perante ruralistas e esses dois partidos. Sentia que precisaria de todo o apoio possível para a tormenta que viria. E esses grupos cobraram a conta, que veio muito alta, na forma de um ministério deprimente. Agora a coisa é outra. Com ambos os partidos repletos de envolvidos, incluindo os presidentes da câmara e do senado, são eles que precisam do governo. Não há mais espaço para a chantagem do "me dá o que eu quero ou eu fico a favor do impeachment" que vinha sendo utilizada. Dilma tem as cartas na mão para lidar com eles.

Quanto ao PSDB... FHC já sinalizou que é hora de dialogar com o governo. Leia-se, propor um "acordo de cavalheiros" em que governo e oposição concordam em seguir criticando as malfeitorias alheias em público mas não mexendo uma palha para punir os culpados. E desaparece qualquer base racional para que os eleitores de Aécio se considerem os defensores da moralidade. Ficou claríssimo que o PSDB está tão envolvido nessa história toda quanto os demais partidos. Bem, há quem siga com esse discurso, mas aí é caso para terapia.

Em suma: nada apareceu contra Dilma, a oposição se enlameou e a turma da chantagem só quer agora se salvar. PSDB e aliados duvidosos precisam do governo mais do que nunca. O impeachment foi enterrado até como possibilidade remota. Política é o espaço da curta duração, e tudo pode mudar amanhã com algum fato novo. Mas neste momento, a presidente obteve uma enorme vitória.

domingo, 1 de março de 2015

Fora Dilma: quando os revoltados viram massa de manobra e ajudam os corruptos

Assim como eu, você conhece pessoas que bradam "Fora Dilma" por ai. Uma coisa até meio caricatural: pessoas repletas de ódio, incapazes de sustentar uma argumentação coerente, que só sabem que qualquer coisa no mundo é melhor que o PT. Eles próprios nem sabem muito bem o motivo. Quando você se dá ao trabalho de tentar argumentar escuta uma avalanche de argumentos que ou vão contra todos os dados (mas eles só acreditam em dados que os beneficiem) ou são coisas que eles toleram tranquilamente quando seu próprio partido faz.

Sim, pois é claro que você não viu essas pessoas indignadas com a corrupção tucana nas obras do metrô paulistano, admitida e relatada com detalhes pelos corruptores. Nenhuma delas reclamou do aeroporto de Cláudio. Ficaram indignadas com a questão da Petrobrás mas desapareceram quando os nomes tucanos começaram a aparecer. Silenciam sobre o caos total causado pelo PSDB no Paraná. Na época da copa se diziam super preocupados com a educação, mas não se pronunciam sobre quatro universidades estarem correndo o risco de ser fechadas por falta de recursos do governo Beto Richa. Enfim, o último post já abordou esse assunto.

Eu não acho que se trata de um bando de idiotas. Há idiotas, claro, como em todos os lugares. Há os elitistas que odeiam ver pobre ao lado deles em avião, que odeia ter de ver o porteiro do prédio não precisando se sujeitar a humilhações em troca de um peru de natal dado de forma condescendente. Mas também há gente muito boa e honesta que está cega de ódio. O cenário político brasileiro chegou num clima de insanidade tamanho que gente dos dois lados está assim. Mas no caso tucano a derrota foi o gatilho para a irracionalidade. Os que venceram podem ser irracionais sem maiores conseguencias, tipo dizer que a Katia Abreu é uma ótima pessoa (sim, já vi). Mas no caso da oposição, a derrota acionou a cegueira que levou ao desejo da quebra institucional. Tipo: vamos derrubar Dilma porque quando não era presidente ainda ela estava na Petrobrás e DEVIA saber o que estava acontecendo. Um completo estupro da lógica. Feita inclusive por gente muito boa, inteligente, honesta, que eu respeito e, em alguns casos, até amo.

O triste é ver que essas pessoas nada mais tem sido que inocentes úteis a serviço de gente que eles não suportam. Pois o impeachment não é pauta do PSDB. Seus políticos não tem endossado a ideia do "Fora Dilma". Pra eles interessa muito mais um governo enfraquecido do que um impeachment. Michel Temer de presidente, Eduardo Cunha de presidente da Câmara é um cenário que beneficia o PMDB, muito mais que o PSDB. Para os políticos tucanos, ter um governo em frangalhos nas eleições de 2018 é muitíssimo mais interessante que um cenário com o PMDB forte e alojado no poder. O "Fora Dilma" interessa aos tucanos como fenomeno que enfraqueceria o governo, não como possibilidade concreta.

Isso tudo interessa de verdade apenas a um tipo de gente: os aliados oportunistas deste e de todos os governos que existiram. Os que apoiaram a ditadura, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma, apoiam qualquer porcaria de governo desde que mantenham suas boquinhas. Gente que não acredita em nada além de se dar bem. Para eles esse cenário é perfeito. O PT já deixou claro há tempos que dará a essa gente tudo o que eles pedirem em troca de apoio. Essa situação permite a eles vender esse apoio por um preço mais caro. Só isso. Pode ser que amanhã algo mude, mas no cenário atual é o que temos. Gente que diz lutar contra a corrupção dando a maior ajuda possível à gente mais corrupta do país. Sendo inocente útil. É o que tem pra hoje.