sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Se eu não fosse professor...

Tenho tantos anos vivendo a profissão de professor que acho melhor nem falar. Nesses muitos anos perdi a conta de quantas vezes me perguntei qual o sentido de fazer o que faço. Nem sei qual a pior parte desse ofício. Provavelmente seja viver num mundo em que todo mundo diz que educação é importante, mas você sabe que a maioria é absolutamente hipócrita. O fato real que todo professor sabe é: vivemos num país em que todo mundo diz que se importa com a educação mas na verdade se fodem pra isso. O absoluto silêncio sobre a escandalosa agressão da polícia paranaense contra professores, a forma autoritária que o governo paulista tratou os professores em greve e a ausência de diálogo do governo federal na greve dos professores universitários em 2012 mostra isso.

Mas todas as dúvidas somem quando entro em sala de aula. A meu ver o melhor lugar do universo. Lembro de um momento, lá pelos idos de 2005, 2006, em que eu estava deprimido. Pensava em morrer o dia inteiro. Tomava antidepressivos, ansiolíticos, e nada melhorava. Mas ninguém percebia. Em boa parte porque quando eu entrava em sala de aula esquecia tudo e virava outra pessoa. Era algo impressionante: acabei virando padrinho de casamento de dois alunos dessa turma, sou padrinho do filho de um deles, fui paraninfo na formatura, é uma turma com quem tenho laços fortes até hoje. Cada dia que eu entrava na sala de aula com eles eu era alguém que tinha passado uma hora na cama sem conseguir levantar e saía forte e rejuvenescido, sem que eles percebessem.

Na verdade eu nem peço muito reconhecimento pelos méritos que eu tenha em sala de aula, pois tive ótimos exemplos. Muitos professores de história absolutamente excelentes, que eu não faço ideia de onde estão, mas foram fundamentais para que eu decidisse seguir essa carreira. Um professor de Física pelo qual sentirei gratidão pela eternidade por ter financiado minha ida para a Unicamp, e sem isso provavelmente eu nunca teria feito curso superior. Meus professores da faculdade, principalmente meu orientador, que é meu modelo supremo para absolutamente tudo. Impossível imaginar quem eu seria sem a generosidade dessas pessoas.

Uma das piores coisas do modelo atual de ensino superior no Brasil (criado pelo PSDB e mantido pelo PT) é a total falta de importância atribuída ao ensino. Todas as regras se aplicam apenas à área de pesquisa. Um professor que estupre 200 alunas mas publique em revistas importantes é um Deus. Esse é um dos motivos pelos quais estou deixando a pós graduação. Na minha cabeça inocente seria um lugar onde eu daria aulas e orientaria alunos. Mas para a Capes isso é tipo 0,1% do nosso trabalho. Sò se importam com números. Não quero fazer parte disso.

Pois pra mim a universidade tem de existir em função dos alunos. Sem isso ela não tem sentido. Mas tem quem não goste. Muito professor universitário que pediu para o povo estar na universidade pública agora reclama que "o nível dos alunos baixou". Querem o povo na universidade, mas querem escolher que povo vai estar lá. Viram o povo e não gostaram. Queriam pobre ateu, de esquerda, com alto nível de leitura, e trombaram com evangélicos de famílias conservadoras que nunca tinham lido nada. Por incrível que pareça não sabiam que o povo era assim. Essa gente não gosta de povo. Gosta de uma coisa idealizada que só existe na cabeça deles e odeia o mundo por ser diferente disso.

Enfim, eu amo meus alunos. Eles não são como eu gostaria. Afinal, eles nasceram e foram criados neste mundo, que tampouco é como eu gostaria. Eles lêem muito menos que eu gostaria, eventualmente me tiram do sério com seu comportamento inadequado, mas me fazem sentir vivo. Estou envelhecendo, e lidar com gente nova e cheia de energia e vibração me faz sentir vivo. E quando vejo que eles gostam de ouvir o que tenho a dizer eu acho que a vida faz sentido.

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