Vou confessar: passei o primeiro dia do ano chorando toda hora. Chorei muitas vezes hoje. Um motivo foi a posse da Dilma, não pela perspectiva do que vem por ai, mas por outras questões que deixo pra discutir em outra ocasião. Mas teve outro motivo. Na última madrugada de 2014 uma pessoa que adoro, que respeito, por quem tenho muito carinho, uma pessoa jovem, estudiosa e esforçada, veio me contar de seus problemas para ser aceita em sua própria família. Motivo: orientação homossexual. E não é uma família de bolsonaros ou de malafaias: bem longe disso, na verdade. Gente de esquerda.
Chorei porque isso é a coisa mais injusta que eu possa imaginar. Por que diabos uma família vai rejeitar um membro jovem, lutador, inteligente, por causa de uma orientação sexual? Meu Deus do céu, é uma pessoa que eu trocaria minha casa e meu emprego pelo direito de tê-la como filha. E os pais da pessoa, vendo todas as qualidades dela, certamente vendo ainda muitas outras que eu nem suspeito, se arriscam a perder o amor dessa pessoa por causa de algo que nem diz respeito a elas!
Esse é o tipo de coisa que quem está do lado hegemônico não entende. A gente pode ser favorável, defensor dos direitos, simpatizar o quanto quiser com a causa. Mas nenhum hetero do mundo faz ideia do que é ver a rejeição nos olhos das pessoas que você mais ama apenas porque você tem uma orientação sexual que a ciência já provou que nasce conosco, e é algo que não faz mal a absolutamente ninguém. Cada vez que nós, héteros, trocamos demonstrações de afeto com nossos parceiros em espaços públicos, não nos ocorre que é algo que é negado a todos os nossos amigos homossexuais. Nunca ouvi falar de alguém que foi morto, agredido, xingado, por ser hétero. Para os homossexuais, esses são riscos diários. Vamos assumir: por mais que sejamos defensores da causa, não fazemos ideia do que é viver assim.
Por outro lado, sabemos perfeitamente o que são as pessoas que acham que o Brasil vive uma ditadura gay: um bando de imbecis, idiotas, inomináveis. Um bando de filhos da puta que quer simplesmente negar aos outros direitos que eles têm. Gente que não tem problema nenhum com pessoas que jogam bebês recém nascidos no lixo, mas que vão pra rua exigir que esse mesmo bebê não seja adotado por duas pessoas do mesmo sexo apenas por serem idiotas o bastante para achar que uma criança "não vai entender isso" (um coelho trazer ovos de chocolate, por outro lado, parece bem simples de explicar para essas pessoas) ou por motivos absolutamente irracionais tipo "gays criam filhos gays" (claro, casais heteros nunca criam filhos que são gays, isso nunca aconteceu). Tem ainda o clássico "a Bíblia diz que...", o que faz muito sentido, já que vivemos hoje exatamente como os judeus de 3 mil anos atrás (será que essas pessoas leram a Bíblia e viram outras coisas que estão lá?). Me recuso a discutir o "gay tem de morrer", pois aí já é caso de internação mesmo.
Há coisas que eu consigo entender. Eu mesmo nasci em 1972. O essencial da minha personalidade se formou nos anos 70. Uma época em que fazer piadas racistas era "normal", homossexualismo era doença e matar a esposa não dava cadeia pra quase ninguém. Tenho pensamentos homofóbicos, racistas e machistas SIM. Odeio que aconteça. Mas tento me perdoar pensando que cresci num mundo assim, e que o que importa é ter a autocrítica de reconhecer isso e tentar ajudar a que o mundo seja melhor do que aquele em que nasci. Nisso, como em tantas outras coisas, meu exemplo é minha mãe, a pessoa mais legal do universo, que do alto de seus 62 anos soltou um "Tiago, eu não acho que homossexualismo seja normal. Mas eu sou velha, o mundo mudou muito, e por mais difícil que seja pra nós, acho que nosso papel é tentar entender isso tudo". É exatamente o que penso: temos de reconhecer as limitações que temos em função do mundo em que crescemos e tentar melhorar.
Mas todas as relativizações acabam quando lembro que a pessoa que deu origem ao post se despediu de mim com um "beijo, pai". Não sou pai dela, ainda que eu vendesse minha alma para que isso fosse verdade. E ela sabe disso. Mas a pessoa está numa situação em que o pai que ela ama e idolatra não a aceita por ser quem ela é. O que causa quatro coisas em mim: 1) a certeza de que nunca vou poder entender o que passa quem está nessa situação; 2) vontade de ir sequestrar a criatura e cuidar dela para que ela se sinta bem; 3) vontade de chorar sem parar por viver neste mundo escroto; 4) a certeza de que todas as pessoas que acham que um beijo entre pessoas do mesmo sexo na TV "prova" que vivemos numa ditadura gay significa que elas merecem apenas uma frase: VÃO TOMAR NO CU
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