sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Liberdade de imprensa deve ser ilimitada?

Logo após o ato terrorista de Paris a imprensa e as redes sociais foram tomados de furor e indignação. O que é mais do que justo, já que pessoas foram mortas por causa de charges. Isso é inaceitável. Tendo colocado isso, aqui vai uma reflexão sobre a liberdade de imprensa.

Pois no Brasil esse foi o tema dominante após o evento. Os desenhistas foram colocados no papel de mártires da liberdade de imprensa. E isso não mudou quando começaram a aparecer charges da revista zombando da religião alheia, caracterizando uma ministra negra como macaca ou estereotipando muçulmanos como selvagens e terroristas. Afinal, para os Voltaires de Facebook (como disse um texto cujo autor não gravei) vale tudo em nome da liberdade de expressão. Nem falo dos escrotos de sempre que amam Rafinha Bastos e Danilo Gentili. Penso aqui nos liberais, que acham que qualquer restrição à liberdade de imprensa é uma agressão à democracia e ao pessoal de esquerda que acha que os cartunistas eram "libertários" e estão chocados.

Vamos começar assim: a liberdade de expressão deve ser sem limites? A minha resposta é: NÃO. Imagine uma publicação que deliberadamente dê uma notícia falsa que cause a morte de milhares de pessoas. Ela não deve ser penalizada na justiça? Num caso desses você bancaria o Voltaire de Facebook e diria que esse processo seria um atentado à liberdade de expressão e uma volta à ditadura? Eu sei que é um exemplo limite e fictício, mas o objetivo aqui é debater uma tese. A liberdade de expressão não pode estar acima das leis de um país.

Aliás todas as liberdades tem limites. Se amanhã aparecer uma religião que pregue que os homens devem cortar a cabeça das esposa caso elas recusem sexo, alguém vai poder fazer isso e alegar que o Estado garante o livre exercício de sua religião? O direito de ir e vir é negado à milhares de pessoas, é só olhar para as nossas prisões. Mas aí vamos chamar isso de ditadura, já que o cara não pode sair de sua cela? Todas as liberdades têm limites, todos achamos isso absolutamente normal. Por que com a imprensa e com os humoristas isso seria diferente? Ok, eu entendo, tivemos uma ditadura relativamente recente, todos conhecemos pessoas que sofreram por ela, então o fantasma da censura de fato paira sobre nós. Mas notem como isso não faz sentido, né?

Na verdade, há um ponto ainda mais importante aqui. A liberdade não é um salvo conduto para as pessoas fazerem o que quiserem. Muito pelo contrário. A liberdade significa que cabe a você decidir o que fazer e se responsabilizar pelas consequencias. O ponto é exatamente esse: junto com a liberdade vem a responsabilidade. Não é porque uma coisa pode ser feita que ela deve ser feita. Posso, por puro capricho, jogar um quilo de comida no bueiro em frente a uma família passando fome. Mas se eu tiver um mínimo de humanidade eu não vou fazer isso. Eu posso, mas não devo.

Ano passado milhares de pessoas mandaram a Dilma tomar no cu na abertura da copa, para delírio de muitos eleitores da oposição. Se confrontados com a opinião de que foi um desrespeito eles respondiam "eu tenho direito de fazer isso". Claro que tem. Tanto que fizeram e não aconteceu nada. A questão é: realmente parece sensato a qualquer pessoa razoável desrespeitar de tal maneira a comandante máxima de seu país? É o tipo de coisa: lógico que é seu direito fazer isso. Mas a meu ver é um direito que deve ficar guardadinho na gaveta. E não só esse. Todos têm direito de ser escrotos, babacas, imbecis. Mas isso não é justificativa para ser nenhuma dessas coisas.

A democracia não é um sistema em que todos podem fazer o que quiserem. A democracia é um sistema em que as pessoas têm o direito de escolha e a obrigação de se responsablizar pelas consequencias. Se processar um veículo de imprensa que mente ou ofende for sinônimo de censura, então isso é dar à mídia um poder que absolutamente ninguém tem em nossa sociedade.

E acho que o argumento liberal tem mais um defeito claro. Normalmente eles justificam esse humor ofensivo com algo tipo "o que importa é ser engraçado, essa é a função do humorista". Mas putaqueopariu, quem acha engraçado piada agredindo negros, muçulmanos, mulheres estupradas, etc? Que tipo de débil mental é capaz de morrer de rir desse tipo de coisa e falar "ah, é só uma piada, não seja um politicamente correto chatão".

Agora a esquerda: caras, essas charges não tem nada de provocantes e questionadoras. Elas são ofensivas. Mostrar um muçulmano sendo baleado e gritando "o corão é uma merda" não tem nada de libertário e nem está quebrando paradigma nenhum. Isso é escrotidão pura. Esse argumento esquerdista parece muito com os dos Rafinha Bastos da vida, que agridem mulher estuprada e dizem que estão lutando contra a ditadura do politicamente correto. Parece muito não: eu não consigo ver NENHUMA diferença.

As mortes causaram uma justiça comoção mundial. Não há justificativa ou relativização para o que foi feito. Mas não precisamos defender o indefensável para nos indignarmos com o que aconteceu.

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