sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Somos todos Aranha

Sou gremista. Fanático. Nasci em 1972 e me apaixonei por esse time em 1979. De uma forma absurdamente incondicional. Amo o Grêmio. Por isso mesmo acho que estou em situação confortável para dizer o que vai a seguir

O episódio envolvendo a garota que xingou o goleiro Aranha me parece ser o típico caso em que as coisas tem consequencias infinitamente maiores que o evento em si. Afinal, o que aconteceu ali foi simplesmente o seguinte: uma pessoa fazendo algo que muita gente faz e que talvez nem tenha sido ouvida pelo goleiro, já que havia um coro de pessoas cantando coisas bem mais alto. Ela só teve o azar de ser flagrada por uma câmera de TV. O que aconteceu foi isso. Mas o problema é que a situação é complexa, e levou a desdobramentos que transcendem em muito o fenômeno original.

A questão é que o país se viu frente a um dilema. Existe muita gente que não aguenta mais viver em um Brasil racista, machista, homofóbico e repleto de outros preconceitos. Que se sente absolutamente desconfortável de compartilhar o mesmo território que gente escrota, babaca, filho da puta, que exclui a maioria dos seus habitantes dos mais básicos direitos. Não é só uma coisa, como muitos querem fazer parecer, de gente patrulheira que quer interferir no jeito de pensar dos outros. É se sentir corroído por dentro ao ver que vivemos em um país em que direitos são negados à maioria da população.

Para gente assim, o episódio do xingamento ao Aranha foi muito mais que o xingamento em si. Foi o momento de dar um basta. De berrar nossa indignação. O absurdo xingamento a uma pessoa pela cor da pele, algo que nunca deveria existir, foi muito mais que o xingamento. Foi o momento em que sentimos que não dava mais. Se há algum sentido em ver a guria como vitima, é esse: através daquela cena de TV vimos tudo o que odiamos em nosso país. Pessoas bem nascidas, bem nutridas, que nunca passaram dificuldades, bem branquinhas, loiras e felizes, humilhando quem veio de baixo, quem tem pele escura, quem tem outra orientação, quem de alguma forma qualquer não faz parte do seu mundo. Não aguentamos mais isso. Chega.

Claro que muitos viram outras coisas nessa história. Para eles, a guria é a vítima da situação. Se acostumaram a adorar esse país hierarquizado em que vivemos. Foram treinados para minimizar o sofrimento alheio. Acham "chatice politicamente correta" não poderem ser racistas, machistas, homofóbicos, preconceituosos, não poderem desmerecer quem não nasceu em berço de ouro. Para essas pessoas, que estão satisfeitas com tudo o que a maioria oprimida deste país tem de enfrentar, Aranha foi apenas um caso chato em que alguém levou a sério demais algo corriqueiro. Para eles, a torcedora é uma vítima.

E para fazer tudo ficar pior para eles, Aranha teve uma atitude monstruosa. Não engoliu nada. Se indignou. Reclamou. Se recusou a fazer as pazes com a torcedora. Para quem acha que está tudo bem neste país, ele é um intolerante. Afinal, não reconheceu seu papel subalterno e expôs cruamente o que se quer esconder. Para nós, que odiamos preconceitos, que queremos que todos os subalternos tenham os direitos que lhe são negados, ele foi perfeito. Para nós, Aranha fez exatamente o que devia fazer. Mostrou um Brasil excludente. Por seu lado, para os que gostam do que cenário atual, a vítima da situação é a torcedora.

Um comentário:

  1. Perfeito!!! Daqueles textos que da vontade de pegar e republicar no meu blog!!! Mas reza a lenda que isso não faz bem ao primeiro blog que publicou o texto então vou me abster e só divulgar!!!

    ResponderExcluir