sexta-feira, 19 de setembro de 2014

De um (quase) ex-gremista: o caso Aranha

Sou gremista desde criança. Gostaria de dar motivos épicos, políticos ou históricos para isso, mas a verdade é que me apaixonei pelo clube da mesma forma que quase todo mundo escolhe time. Meu pai é gremista, e uma mistura de curiosidade infantil com o desejo de passar mais tempo com ele me fez ficar a seu lado vendo os jogos do time. Me apaixonei e pronto. É aquela coisa que todo mundo sabe como é: você até cria explicações racionais, mas na verdade você simplesmente ama o time e pronto. Acabou. Compromisso para o resto da vida.

O episódio do primeiro jogo contra o Santos não mexeu com minha paixão. Na minha cabeça era uma atitude absurda de um punhado de imbecis supremos que, nutridos pela certeza da impunidade, do silêncio da maioria e do espírito da turba, fizeram algo absurdo. Houve punição exemplar para o clube, que proibiu os que foram identificados de entrar novamente nas dependências, então para mim o saldo até que não tinha sido negativo. Uma vitória contra o racismo de alguns babacas.

Mas o que houve quinta-feira foi muito, mas muito pior. Li que o técnico do Santos perguntou se Aranha queria jogar, e ele disse que sim. Imaginava que seria aplaudido em desagravo pelo que passou. Mas foi exatamente o contrário. Foi vaiado do início ao fim. Amigos que estavam no estádio me disseram que todos os tipos de xingamento brotavam da multidão, que teve cuidado de evitar termos racistas, mas evidentemente o motivo era de cunho racial. Inclusive "alemão" e "branca de neve" foram termos atribuídos a ele nos cantos da torcida, como forma de atacar sem correr o risco de punição.

Aí a coisa ficou séria. Não foi coisa de algumas pessoas. Foram milhares. De forma orquestrada. Pra piorar ainda mais, se sentindo autorizadas a fazer aquilo pela direção e pelo treinador, que tiveram atitudes lamentáveis em relação ao assunto durante a semana (para não falar em jornalistas cretinos). E digo mais. Tudo isso mostra uma cultura de racismo naquele ambiente. Que jamais poderia ter se desenvolvido sem o beneplácito, ao menos implícito, das pessoas que comandaram o clube nesse tempo todo. Ou seja: não é uma questão de algumas pessoas, mas de uma instituição.

Não adianta dizer que tivemos ídolos históricos que eram negros, como Ortunho, Everaldo e Tarciso. Primeiro porque as torcidas racistas européias também aplaudem seus jogadores negros, apesar de xingarem os adversários em termos raciais. Segundo, porque isso é a mesmíssima coisa que ser racista e se defender dizendo "tenho amigos negros", como se isso fosse um álibi para ser racista à vontade. Como se a gente pudesse espancar a companheira mas dizer "imagina se sou machista, eu amo minha mãe".

Eu não quero torcer para esse time. Não quero fazer parte disso. Existe um amor gigante por um clube que é importante para mim desde 1979, quando descobri o futebol. Sei que o amor não funciona assim. Pessoas que a gente ama fazem coisas que a gente odeia e a gente continua amando elas assim mesmo. Mas isso é diferente. Uma coisa é a mulher que eu amo fazer algo que eu não goste. Outra coisa totalmente diferente é ela humilhar um negro por sua "raça" (?).

Nenhuma das más fases, derrotas humilhantes, direções incompetentes e times horríveis me fez ter a menor chance de deixar de amar esse clube. Torcedor ama na vitória e na derrota. Mas o que temos agora é outra coisa. Um clube que parece dominado por pessoas que acreditam que melanina na pele é defeito imperdoável. Disso eu não vou fazer parte. Me declaro ex-gremista. Ao menos temporariamente. Se as coisas mudarem, a gente conversa outra vez.

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