Eu juro que não queria mais falar sobre política. Nenhum tipo de política. O ambiente está tão contaminado, tão saturado, tão cheio de gritaria e tão vazio de argumentos minimamente minimamente lógicos, que racionalmente eu acho que deveria me abster de falar disso. Não porque eu me sinta superior, mas por achar que ao menos eu tento sustentar meus argumentos em termos racionais, algo muito trivial mas que está absolutamente em falta no debate atual.
Mas hoje eu tive o desprazer de presenciar mais uma histeria da direita brasileira. A novidade é: eles chegaram onde chegaram apenas pelo seu esforço e mérito pessoal, carregam o país nas costas, e são vítimas de racismo. Isso porque Lula atribuiu as ofensas absolutamente inaceitáveis à presidente Dilma à "elite branca". A partir daí deram vazão ao seu eterno coitadismo. Aquele velho argumento que conhecemos, só que mais explícito que nunca: a pobre elite é o que há de melhor no país, mas tem o mundo contra ela, das massas rudes e incultas a um governo que tem a inacreditável insolência de cobrar impostos.
É tanta idiotice reunida que renderia um livro ao menos para refutá-la. Como este é apenas um blog (e eu francamente tenho mais o que fazer), vou me ater a um único ponto, que me parece o mais importante de todos. Não o preconceito de classe, a alergia a pobres e a qualquer mudança que beneficie quem mais precisa de ajuda expressos nessa visão. Isso a gente já está cansado de conhecer. Fico com o seguinte ponto: essa gente está tentando, com todas as forças, desqualificar a luta de quem quer um mundo menos machista, sexista e homofóbico. Fazem isso através da vulgarização.
Pois há um lado muito óbvio nesse discurso anti-mudança. O discurso "querem virar o mundo de ponta cabeça". Lutar contra o racismo é querer oprimir os brancos. Brigar pelo fim da homofobia é ser partidário de uma ditadura gay. Ser contra a opressão das mulheres é sonhar com um mundo de mulheres raivosas, de pernas cabeludas que odeiam homens comandando o mundo. Isso é muito velho. Como historiador, me deparo com discursos exatamente nessa linha há 100 anos. É o eterno ódio à mudança de todos os favorecidos de todas as épocas. Conhecemos bem isso aí.
Mas tem um outro lado, menos óbvio. É a tentativa de vulgarizar essas lutas, agindo como se a discriminação fosse uma via de mão dupla. No caso específico, isso aparece assim: Lula ter falado em "elite branca" é a MESMÍSSIMA coisa que gerações e gerações de negros enfrentarem muito mais barreiras que os brancos para conseguirem se estabelecer. Um comentário como esse é colocado no mesmo patamar de 400 anos de escravidão e 100 anos de racismo. Aí fica aquela coisa: "existe preconceito dos brancos, mas também existe dos negros, é tudo a mesma coisa". Ou, numa formulação ainda pior: "racistas mesmo são os negros. pobres de nós, brancos oprimidos" (o mesmo vale para lutas como as das mulheres e dos homossexuais).
O grau de cretinice nesse tipo de argumentação é algo que eu não tenho como medir. Quem me conhece pessoalmente sabe que sou homem, branco, heterossexual e de classe média. Estou do lado favorecido em todas essas questões. Então posso falar muito a vontade o seguinte: gente como eu não tem o menor, o mais ínfimo direito de se sentir oprimido em relação às questões citadas. Nunca. Em hipótese alguma.
Isso não quer dizer que eu nunca tenha me sentido desconfortável. Me senti sim. Mas vamos pensar na seguinte hipótese. Em algum ambiente qualquer eu me sinto estereotipado por ser branco. Vou achar chato. Mas não me colocarei no papel de oprimido. Por um motivo absolutamente óbvio: basta eu sair daquele ambiente e pronto. Vivo num mundo que favorece os brancos. Se há espaços em que ser branco é um handicap, são espaços absolutamente pontuais. O planeta é para os brancos. Podemos eventualmente nos sentir estereotipados ou até discriminados. Mas oprimidos, nunca.
Outra coisa, totalmente diferente, é ser um não branco. Se um negro (ou indígena, etc.) se sente discriminado em alguma situação, ele sabe perfeitamente que não adianta sair dali. Se fizer isso, ele irá para qualquer outro lugar, e nele sofrerá o mesmo tipo de opressão. Um episódio de discriminação para eles não é, como é para mim, apenas um episódio. É algo experimentado cotidianamente desde o dia que nascem até o dia em que morrem. Cada episódio é uma lembrança de que se vive num mundo que é programado para te prejudicar.
Igualar um momento de desconforto a uma vida de descriminação não é apenas uma idiotice. Também é uma cretinice inominável. É algo que vulgariza barbaramente o sofrimento e as lutas alheias. Vindo de pessoas que geralmente nunca tiveram dificuldades maiores que pagar a prestação do seu apartamento num bairro de classe média. Julgando e reduzindo a importância que as desigualdades têm na vida da maioria esmagadora da nossa população.
Não subestime esse tipo de discurso. Ele é sim, fruto de uma brutal incapacidade de ver o mundo de um ponto de vista diferente do seu próprio. É isso também. São pessoas que algum dia não entenderam alguma gíria num ambiente de maioria gay e acham que isso é exatamente a mesma coisa que ser rejeitado pela família, ser alvo de preconceito todos os dias e sofrer o permanente risco de violência. Essas pessoas eventualmente podem ser apenas isso: mimadas e incapazes de entender o outro. Mas o fato é que estão reproduzindo discursos que buscam esvaziar completamente de sentido algumas das lutas mais importantes do nosso tempo contra a desigualdade.
segunda-feira, 16 de junho de 2014
sexta-feira, 13 de junho de 2014
Pátria, Governo e Seleção
Comecemos com uma obviedade: Pátria é uma coisa, Governo é outra e seleção de futebol é outra. Se eu digo uma coisa tão óbvia é porque essa distinção parece não estar muito clara para uma quantidade enorme de pessoas quando se trata da atual copa do mundo. E essa confusão tem gerado discussões insuportáveis repleta de argumentos tolos tanto em veículos da grande mídia quanto na blogosfera quanto nas redes sociais.
Para a oposição à direita, a copa existe para atacar o governo. Dizem que vão torcer contra a seleção, que vão torcer pela Argentina (pura picuinha, já que também detestam o governo argentino, o que confere uma incoerência monstro à pretensa politização da escolha), acham lindo que um bando de gente de alto poder aquisitivo tenha sido tão grosseiro a ponto de mandar a presidente "tomar no cu" (justo eles, tão ciosos da moral e dos bons costumes) e torce insanamente para que tudo dê errado. Se a internet cair por 5 segundos no centro de imprensa de Cuiabá isso prova a incompetência do governo. Querem que o Brasil perca, por acreditar que isso ajudaria a derrotar Dilma em outubro. Bem, se são pessoas minimamente coerentes, espero que tenham torcido loucamente contra a maravilhosa seleção de 1982 para que o governo militar não pudesse capitalizar a vitória canarinho nas eleições de novembro daquele ano.
Nas hostes governistas é tudo ao contrário. Torcem mais do que nunca pela seleção, para que uma grande festa popular pelo título seja a coroação da "copa das copas". Para esses, tudo está lindo, os estádios são maravilhosos, críticas a qualquer aspecto da organização é coisa de coxinha.
A oposição à esquerda é mais complexa. Não está (em termos políticos) muito preocupada com o que acontece no campo. Mas desconfia barbaramente de pessoas que torçam muito pela seleção, pois acham que isso é coisa de governista acrítico ou de pachecos. Seu interesse principal na verdade é no aspecto extra-esportivo: querem mostrar o custo humano da copa e denunciar violência da PM contra os "protestos da população". Aí rola aquele velho patrulhamento que todos os esquerdistas conhecem bem: "como você pode se preocupar com a copa enquanto há tanta seca, enchentes, violência policial, desigualdade, etc.?".
Me desculpem os inúmeros amigos que adotam qualquer uma dessas posturas, mas acho que vocês estão completamente errados. Copa é a coisa mais legal do mundo, acontece só de 4 em 4 anos e desta vez é no Brasil. Será que um dia teremos outra oportunidade de desfrutar de um mundial como o deste ano? Acho pouco provável. Um monte de jogos legais acontecendo aqui dentro, com a presença de muitos dos maiores jogadores do mundo, estrangeiros de todos os tipos, cores e tamanhos circulando pelas nossas cidades, enfim, uma delícia total.
"Ah, mas isso é alienação". Não, não é. Copa não dura 365 dias por ano. Dura 1 mês a cada quatro anos. Me dou o direito de ser alienado nesses dias. Pois nunca vi ninguém que seja politizado 24 horas por dia. E seria mesmo um inferno. Ninguém aguentaria uma pessoa assim. Todos nós temos nossos deveres de cidadãos mas também temos o direito de, quando acharmos necessário, desanuviar a mente com algo, seja futebol, livros policiais, comédias românticas, viagem pra hotel fazenda, enfim, o que achar melhor. Me desculpem, mas não vou ficar o dia todo lutando contra o fim da desigualdade.
Então é o seguinte: vou torcer como sempre pelo Brasil, mas também, em ordem descrescente, por Uruguai (por amor ao país e à mística da Celeste), Russia (velhos hábitos comunistas), Portugal (a boa e velha ancestralidade) e México (que acho que deve ser um país muito legal). A partir do mês que vem volto a fazer minhas escolhas baseado em política. Agora não. Estou preocupadíssimo com a reeleição da Dilma, mas neste minuto exato o que realmente ocupa minha mente é se Luis Suarez ao menos entra no segundo tempo do jogo do Uruguai amanhã. Até a próxima.
Para a oposição à direita, a copa existe para atacar o governo. Dizem que vão torcer contra a seleção, que vão torcer pela Argentina (pura picuinha, já que também detestam o governo argentino, o que confere uma incoerência monstro à pretensa politização da escolha), acham lindo que um bando de gente de alto poder aquisitivo tenha sido tão grosseiro a ponto de mandar a presidente "tomar no cu" (justo eles, tão ciosos da moral e dos bons costumes) e torce insanamente para que tudo dê errado. Se a internet cair por 5 segundos no centro de imprensa de Cuiabá isso prova a incompetência do governo. Querem que o Brasil perca, por acreditar que isso ajudaria a derrotar Dilma em outubro. Bem, se são pessoas minimamente coerentes, espero que tenham torcido loucamente contra a maravilhosa seleção de 1982 para que o governo militar não pudesse capitalizar a vitória canarinho nas eleições de novembro daquele ano.
Nas hostes governistas é tudo ao contrário. Torcem mais do que nunca pela seleção, para que uma grande festa popular pelo título seja a coroação da "copa das copas". Para esses, tudo está lindo, os estádios são maravilhosos, críticas a qualquer aspecto da organização é coisa de coxinha.
A oposição à esquerda é mais complexa. Não está (em termos políticos) muito preocupada com o que acontece no campo. Mas desconfia barbaramente de pessoas que torçam muito pela seleção, pois acham que isso é coisa de governista acrítico ou de pachecos. Seu interesse principal na verdade é no aspecto extra-esportivo: querem mostrar o custo humano da copa e denunciar violência da PM contra os "protestos da população". Aí rola aquele velho patrulhamento que todos os esquerdistas conhecem bem: "como você pode se preocupar com a copa enquanto há tanta seca, enchentes, violência policial, desigualdade, etc.?".
Me desculpem os inúmeros amigos que adotam qualquer uma dessas posturas, mas acho que vocês estão completamente errados. Copa é a coisa mais legal do mundo, acontece só de 4 em 4 anos e desta vez é no Brasil. Será que um dia teremos outra oportunidade de desfrutar de um mundial como o deste ano? Acho pouco provável. Um monte de jogos legais acontecendo aqui dentro, com a presença de muitos dos maiores jogadores do mundo, estrangeiros de todos os tipos, cores e tamanhos circulando pelas nossas cidades, enfim, uma delícia total.
"Ah, mas isso é alienação". Não, não é. Copa não dura 365 dias por ano. Dura 1 mês a cada quatro anos. Me dou o direito de ser alienado nesses dias. Pois nunca vi ninguém que seja politizado 24 horas por dia. E seria mesmo um inferno. Ninguém aguentaria uma pessoa assim. Todos nós temos nossos deveres de cidadãos mas também temos o direito de, quando acharmos necessário, desanuviar a mente com algo, seja futebol, livros policiais, comédias românticas, viagem pra hotel fazenda, enfim, o que achar melhor. Me desculpem, mas não vou ficar o dia todo lutando contra o fim da desigualdade.
Então é o seguinte: vou torcer como sempre pelo Brasil, mas também, em ordem descrescente, por Uruguai (por amor ao país e à mística da Celeste), Russia (velhos hábitos comunistas), Portugal (a boa e velha ancestralidade) e México (que acho que deve ser um país muito legal). A partir do mês que vem volto a fazer minhas escolhas baseado em política. Agora não. Estou preocupadíssimo com a reeleição da Dilma, mas neste minuto exato o que realmente ocupa minha mente é se Luis Suarez ao menos entra no segundo tempo do jogo do Uruguai amanhã. Até a próxima.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
O que esperar da seleção?
Estou no time dos que acham o Brasil um dos principais candidatos ao título. Joga em casa, o time está definido tanto em termos de nomes como de forma de jogar, e há jogadores acima da média em todas as posições. A defesa é ótima e há Neymar. Há também pontos mais fracos, como a falta de criatividade no meio campo e as avenidas nas costas dos laterais. Mas problemas assim todo mundo tem. Não é o maior favorito, eu acho, mas está entre os principais, junto com Argentina, Alemanha e Espanha (Itália e Holanda um pouco atrás).
Uma coisa que me dá um certo medo é a falta de alternativas do time. Isso é uma característica histórica. A escola brasileira de técnicos tem essa linha: gosta de preparar o time dentro de um sistema de jogo, e o treina o quanto pode. Não se valoriza a preparação de alternativas. É só olhar o banco de reservas: o Brasil sempre vai pra copa com reservas que tem características parecidas com os titulares. Na hora de montar o elenco se pensa em ter jogadores que vão repor eventuais perdas, e não em nomes que possam mudar o jeito de jogar do time.
As duas últimas copas mostram isso. Em 2006 e 2010 o Brasil chegou muito forte na copa, mas naufragou pela falta de um plano B. Em 2006 vários dos melhores jogadores não corresponderam, e os reservas eram versões pioradas deles. Em 2010 a seleção começou claudicante, fez uma baita partida contra o Chile, mas contra a Holanda o barco afundou. O time fazia uma ótima partida mas de repente Julio Cesar falhou, o time se abateu, levou o segundo gol, Felipe Melo foi expulso. No banco estavam: Julio Batista, Nilmar e Grafite. Fazer o que?
Um contraponto está nos vizinhos platinos. Argentina e Uruguai chegam ao mundial com vários sistemas táticos e formas de jogo treinadas e testadas em jogos. As duas equipes tem suplentes capazes de mudar a característica das equipes. Nos dois casos acontece de voce olhar a escalação da equipe e não conseguir ter certeza de qual o sistema tático utilizado, já que há jogadores multifuncionais capazes de jogar em mais de uma posição. Postura que também tem seus problemas. Claro que se você treinar vários esquemas, vai treinar cada um menos do que o esquema da seleção que só treina um. E jogadores podem se confundir quando muda o sistema de jogo, por mais inteligente que sejam.
O Brasil tem um sistema de jogo bem definido, o 4-2-3-1. Os titulares estão definidos, os substitutos de cada um deles também. A forma de jogar nós conhecemos: marcação adiantada na tentativa de tomar a bola perto do gol e pegar a defesa mal posicionada. O problema é que esse sistema não funciona sempre. Tem time que se planta atrás, congestiona absurdamente o campo defensivo e não permite que o Brasil jogue dessa maneira. Foi assim no amistoso contra a Sérvia, por exemplo. E esse mesmo amistoso sugere fortemente que a seleção não sabe como resolver situações assim. Que devem acontecer: quantos times tentarão enfrentar o Brasil no pau a pau aqui dentro? Não é a toa que nossa atuação de gala foi contra a Espanha, time que sai para o jogo. Mas quantos outros jogarão assim?
Outro problema é que o caminho do Brasil depois da fase de grupos tende a ser dificilimo. A lógica é que sequencia seja algo como: Espanha ou Holanda nas oitavas; Inglaterra, Itália ou Uruguai nas quartas; França ou Alemanha na semifinal; Argentina, Espanha, Holanda, Itália, Inglaterra ou Uruguai na final. A seleção pode encarar quatro campeões mundiais na sequencia, um caminho bem mais complicado que o da Argentina, por exemplo. Assim, por mais que haja elementos para acreditar em título, devemos estar preparados para uma eventual eliminação até nas oitavas. Não será surpresa.
De toda forma, começo hoje minha nona copa do mundo. Nunca vi uma zebraça levar o título. Mas cansei de ver favoritos se estrepando e seleções que pareciam fora do páreo arrancarem surpreendentemente para o título. Tudo o que foi falado até agora (incluindo este post) meio que perde a validade quando a bola rolar. Copa sempre surpreende. É um dos elementos mais interessantes dessa que é a competição mais legal de todas as galáxias. E vai rolar em nosso país. Mal posso acreditar.
Uma coisa que me dá um certo medo é a falta de alternativas do time. Isso é uma característica histórica. A escola brasileira de técnicos tem essa linha: gosta de preparar o time dentro de um sistema de jogo, e o treina o quanto pode. Não se valoriza a preparação de alternativas. É só olhar o banco de reservas: o Brasil sempre vai pra copa com reservas que tem características parecidas com os titulares. Na hora de montar o elenco se pensa em ter jogadores que vão repor eventuais perdas, e não em nomes que possam mudar o jeito de jogar do time.
As duas últimas copas mostram isso. Em 2006 e 2010 o Brasil chegou muito forte na copa, mas naufragou pela falta de um plano B. Em 2006 vários dos melhores jogadores não corresponderam, e os reservas eram versões pioradas deles. Em 2010 a seleção começou claudicante, fez uma baita partida contra o Chile, mas contra a Holanda o barco afundou. O time fazia uma ótima partida mas de repente Julio Cesar falhou, o time se abateu, levou o segundo gol, Felipe Melo foi expulso. No banco estavam: Julio Batista, Nilmar e Grafite. Fazer o que?
Um contraponto está nos vizinhos platinos. Argentina e Uruguai chegam ao mundial com vários sistemas táticos e formas de jogo treinadas e testadas em jogos. As duas equipes tem suplentes capazes de mudar a característica das equipes. Nos dois casos acontece de voce olhar a escalação da equipe e não conseguir ter certeza de qual o sistema tático utilizado, já que há jogadores multifuncionais capazes de jogar em mais de uma posição. Postura que também tem seus problemas. Claro que se você treinar vários esquemas, vai treinar cada um menos do que o esquema da seleção que só treina um. E jogadores podem se confundir quando muda o sistema de jogo, por mais inteligente que sejam.
O Brasil tem um sistema de jogo bem definido, o 4-2-3-1. Os titulares estão definidos, os substitutos de cada um deles também. A forma de jogar nós conhecemos: marcação adiantada na tentativa de tomar a bola perto do gol e pegar a defesa mal posicionada. O problema é que esse sistema não funciona sempre. Tem time que se planta atrás, congestiona absurdamente o campo defensivo e não permite que o Brasil jogue dessa maneira. Foi assim no amistoso contra a Sérvia, por exemplo. E esse mesmo amistoso sugere fortemente que a seleção não sabe como resolver situações assim. Que devem acontecer: quantos times tentarão enfrentar o Brasil no pau a pau aqui dentro? Não é a toa que nossa atuação de gala foi contra a Espanha, time que sai para o jogo. Mas quantos outros jogarão assim?
Outro problema é que o caminho do Brasil depois da fase de grupos tende a ser dificilimo. A lógica é que sequencia seja algo como: Espanha ou Holanda nas oitavas; Inglaterra, Itália ou Uruguai nas quartas; França ou Alemanha na semifinal; Argentina, Espanha, Holanda, Itália, Inglaterra ou Uruguai na final. A seleção pode encarar quatro campeões mundiais na sequencia, um caminho bem mais complicado que o da Argentina, por exemplo. Assim, por mais que haja elementos para acreditar em título, devemos estar preparados para uma eventual eliminação até nas oitavas. Não será surpresa.
De toda forma, começo hoje minha nona copa do mundo. Nunca vi uma zebraça levar o título. Mas cansei de ver favoritos se estrepando e seleções que pareciam fora do páreo arrancarem surpreendentemente para o título. Tudo o que foi falado até agora (incluindo este post) meio que perde a validade quando a bola rolar. Copa sempre surpreende. É um dos elementos mais interessantes dessa que é a competição mais legal de todas as galáxias. E vai rolar em nosso país. Mal posso acreditar.
terça-feira, 10 de junho de 2014
Peguem leve com Neymar
Este blog teve uma encarnação anterior, no qual era discutido um amplo leque de temas: futebol, música, política, história, enfim, tudo o que é do interesse deste que vos escreve. Em sua versão atual o 171nalata acabou se dedicando mais à politica. Não sei se acertei ou errei ao fazer isso (podem opinar, inclusive), mas estamos quase na copa e não dá pra resistir a falar de futebol. Esse tema vai ser dominante nas próximas semanas por aqui. Começo falando sobre algo que me preocupa: Neymar.
Neymar tem 22 anos. Nasceu quando eu estava fazendo faculdade. E hoje é visto como o grande responsável por fazer o Brasil vencer a copa do mundo em casa, algo que é uma das nossas grandes frustrações. E se não conseguirmos o título, não há dúvidas: o culpado será ele. Mas vamos pensar no seguinte: o guri merece isso? Uma boa maneira de avaliar é ver o que os maiores gênios do futebol mundial faziam com essa idade.
Aos 22 anos Pelé já tinha ganho tudo o que um jogador de futebol pode sonhar. Mas convenhamos: Pelé não é parâmetro de comparação para nada. Vejamos outros. Comecemos com Garrincha: com essa idade o monstro das pernas tortas não tinha sequer um título estadual no currículo. Nem sonhava em jogar na seleção. Zico? Era campeão estadual, mas nunca havia jogado na seleção. Sócrates? Um desconhecido jogando no Botafogo de Ribeirão Preto. Ronaldinho Gaucho? Era um brilhante coadjuvante dos geniais Ronaldo e Rivaldo na conquista de 2002.
E os estrangeiros? Puskas aos 22 anos nem havia sido campeão húngaro. Di Stefano era coadjuvante de um time fenomenal do River Plate. Cruijff tinha títulos holandeses mas era um desconhecido fora de seu país. Maradona tinha um título argentino pelo Boca e naufragou completamente no mundial de 1982.Zidane jogava no Bordeaux, não tinha conquistado nenhum título e não era titular da seleção francesa. Platini jogava no pequeno Nancy e nem havia disputado copa do mundo.
Mas claro que a comparação implícita é sempre com Messi, o grande craque do futebol atual. Aos 22 anos Messi já era o melhor do mundo. O que não o impediu de voltar pra casa sem a copa de 2010. Pode-se argumentar que ele não foi o maior culpado da retumbante derrota contra a Alemanha. E não foi mesmo. O ponto é justamente esse: muitos fatores estão envolvidos em uma derrota. Muitas vezes o melhor jogador do time acaba carregando o peso de uma fracasso do qual ele não foi o maior culpado.
Neymar é uma tremenda promessa. Está ainda no começo da carreira e tem muito a realizar. Mas não tem nenhuma culpa do fato de o país depositar nele todas as suas esperanças. Ele deveria ser o que foi Ronaldinho Gaucho em 2002: um tremendo coadjuvante. Mas Kaká e Ronaldinho Gaucho entraram em declínio cedo demais e Robinho não chegou onde se esperava. As duas gerações que deveriam comandar a seleção brasileira neste mundial falharam. Neymar não tem nenhuma culpa disso. Se o Brasil perder a copa, que não se venha colocar a culpa nos cortes de cabelo dele, por favor.
Neymar tem 22 anos. Nasceu quando eu estava fazendo faculdade. E hoje é visto como o grande responsável por fazer o Brasil vencer a copa do mundo em casa, algo que é uma das nossas grandes frustrações. E se não conseguirmos o título, não há dúvidas: o culpado será ele. Mas vamos pensar no seguinte: o guri merece isso? Uma boa maneira de avaliar é ver o que os maiores gênios do futebol mundial faziam com essa idade.
Aos 22 anos Pelé já tinha ganho tudo o que um jogador de futebol pode sonhar. Mas convenhamos: Pelé não é parâmetro de comparação para nada. Vejamos outros. Comecemos com Garrincha: com essa idade o monstro das pernas tortas não tinha sequer um título estadual no currículo. Nem sonhava em jogar na seleção. Zico? Era campeão estadual, mas nunca havia jogado na seleção. Sócrates? Um desconhecido jogando no Botafogo de Ribeirão Preto. Ronaldinho Gaucho? Era um brilhante coadjuvante dos geniais Ronaldo e Rivaldo na conquista de 2002.
E os estrangeiros? Puskas aos 22 anos nem havia sido campeão húngaro. Di Stefano era coadjuvante de um time fenomenal do River Plate. Cruijff tinha títulos holandeses mas era um desconhecido fora de seu país. Maradona tinha um título argentino pelo Boca e naufragou completamente no mundial de 1982.Zidane jogava no Bordeaux, não tinha conquistado nenhum título e não era titular da seleção francesa. Platini jogava no pequeno Nancy e nem havia disputado copa do mundo.
Mas claro que a comparação implícita é sempre com Messi, o grande craque do futebol atual. Aos 22 anos Messi já era o melhor do mundo. O que não o impediu de voltar pra casa sem a copa de 2010. Pode-se argumentar que ele não foi o maior culpado da retumbante derrota contra a Alemanha. E não foi mesmo. O ponto é justamente esse: muitos fatores estão envolvidos em uma derrota. Muitas vezes o melhor jogador do time acaba carregando o peso de uma fracasso do qual ele não foi o maior culpado.
Neymar é uma tremenda promessa. Está ainda no começo da carreira e tem muito a realizar. Mas não tem nenhuma culpa do fato de o país depositar nele todas as suas esperanças. Ele deveria ser o que foi Ronaldinho Gaucho em 2002: um tremendo coadjuvante. Mas Kaká e Ronaldinho Gaucho entraram em declínio cedo demais e Robinho não chegou onde se esperava. As duas gerações que deveriam comandar a seleção brasileira neste mundial falharam. Neymar não tem nenhuma culpa disso. Se o Brasil perder a copa, que não se venha colocar a culpa nos cortes de cabelo dele, por favor.
quinta-feira, 5 de junho de 2014
Xô, vira-lata!
Dia desses um ex-zagueiro da seleção norte-americana de futebol chegou ao Brasil para atuar como comentarista na copa. Tuitou que gostou do aeroporto do Galeão, que pareceu a ele melhor que a maioria dos congêneres de seu país. Um pouco depois fez graça dizendo que estava no Rio há algumas horas e não tinha tido nenhum órgão roubado, evidentemente rindo dos temores de muitos de seus compatriotas que acham que vivemos num mundo de caos e anarquia. Vi esses tuites, ri muito, desejei que o Galeão realmente esteja como ele diz (nas últimas vezes que estive lá achei horrível) e segui a vida.
Para minha surpresa, os tuites de Alexi Lalas viraram tema de debate. Defensores da copa e do governo federal usaram seus comentários sobre o Galeão como prova irrefutável de que o Brasil está uma maravilha e que o evento será ótimo. Oposicionistas e babacas que queriam ser parisienses leram correndo o outro tuíte e bradaram: OLHA O QUE O MUNDO PENSA DO BRASIL.Uma discussão idiota que eu não devia estranhar. Ela acontece aqui o tempo todo.
Não faz muito tempo o segundo grupo exultou com o que um jornalista dinamarquês postou, criticando o país e a copa. O primeiro compartilhou insanamente um e-mai de um suposto holandês que achou o Brasil uma maravilha. Oposicionistas compartilham nas redes sociais um hoax com conselhos que os governantes chineses teriam dado ao Brasil (logo a China, uma ditadura pretensamente socialista, ou seja, tudo o que eles dizem odiar mas endossam quando é de seu interesse), enquanto os governistas compartilham palavras de economistas estrangeiros dizendo que o Brasil é um modelo.
Tudo isso parece conflitante, mas não é. No fundo é a mesmíssima coisa. Tudo isso tem algo em comum: a submissão ao estrangeiro. A superhipervalorização da palavra de quem vive em países desenvolvidos. A premissa de que nada melhor para validar um argumento do que uma citação de alguém que vive num oásis de civilização, bem longe da selvageria tropical. É o que há meio século Nelson Rodrigues chamou de "complexo de vira-latas", sem tirar nem por.
Claro que um olhar de fora pode ser interessante. Os pernambucanos vivem se surpreendendo quando indico peculiaridades da vida local que na opinião deles são "normais". É mais do que razoável apreciar que um outsider desnaturalize algo que para nós é óbvio. Até aí maravilha. Mas na boa: precisar do endosso de gente que mal conhece nosso país para teses sobre quem somos é demais. Chega a ser ofensivo que alguém que nasceu e passou sua vida toda no Brasil ache que sua opinião sobre o país só se torna válida quando corroborada por alguém que mal sabe onde vivemos.
Não é uma questão de direita e esquerda, governo e oposição. É questão de reconhecer que somos mais que habilitados a ter opinião sobre o país em que nascemos e vivemos sem precisar da legitimação de quem mal nos conhece. Sejamos governistas, oposicionistas, direitistas, esquerdistas, o que quisermos. Mas por favor: nenhuma dessas posições necessita ser corroborada por estrangeiros. Quem conhece o país somos nós. Trabalhemos para que a pergunta "o que os estrangeiros vão pensar?" um dia seja tão arcaica como o código de hamurabi.
Para minha surpresa, os tuites de Alexi Lalas viraram tema de debate. Defensores da copa e do governo federal usaram seus comentários sobre o Galeão como prova irrefutável de que o Brasil está uma maravilha e que o evento será ótimo. Oposicionistas e babacas que queriam ser parisienses leram correndo o outro tuíte e bradaram: OLHA O QUE O MUNDO PENSA DO BRASIL.Uma discussão idiota que eu não devia estranhar. Ela acontece aqui o tempo todo.
Não faz muito tempo o segundo grupo exultou com o que um jornalista dinamarquês postou, criticando o país e a copa. O primeiro compartilhou insanamente um e-mai de um suposto holandês que achou o Brasil uma maravilha. Oposicionistas compartilham nas redes sociais um hoax com conselhos que os governantes chineses teriam dado ao Brasil (logo a China, uma ditadura pretensamente socialista, ou seja, tudo o que eles dizem odiar mas endossam quando é de seu interesse), enquanto os governistas compartilham palavras de economistas estrangeiros dizendo que o Brasil é um modelo.
Tudo isso parece conflitante, mas não é. No fundo é a mesmíssima coisa. Tudo isso tem algo em comum: a submissão ao estrangeiro. A superhipervalorização da palavra de quem vive em países desenvolvidos. A premissa de que nada melhor para validar um argumento do que uma citação de alguém que vive num oásis de civilização, bem longe da selvageria tropical. É o que há meio século Nelson Rodrigues chamou de "complexo de vira-latas", sem tirar nem por.
Claro que um olhar de fora pode ser interessante. Os pernambucanos vivem se surpreendendo quando indico peculiaridades da vida local que na opinião deles são "normais". É mais do que razoável apreciar que um outsider desnaturalize algo que para nós é óbvio. Até aí maravilha. Mas na boa: precisar do endosso de gente que mal conhece nosso país para teses sobre quem somos é demais. Chega a ser ofensivo que alguém que nasceu e passou sua vida toda no Brasil ache que sua opinião sobre o país só se torna válida quando corroborada por alguém que mal sabe onde vivemos.
Não é uma questão de direita e esquerda, governo e oposição. É questão de reconhecer que somos mais que habilitados a ter opinião sobre o país em que nascemos e vivemos sem precisar da legitimação de quem mal nos conhece. Sejamos governistas, oposicionistas, direitistas, esquerdistas, o que quisermos. Mas por favor: nenhuma dessas posições necessita ser corroborada por estrangeiros. Quem conhece o país somos nós. Trabalhemos para que a pergunta "o que os estrangeiros vão pensar?" um dia seja tão arcaica como o código de hamurabi.
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