domingo, 6 de maio de 2012

Evita


Há 93 anos nascia Eva Duarte, posteriormente Eva Perón, ou simplesmente Evita. Uma figura tão tipicamente argentina que é simplesmente inacessível à compreensão dos brasileiros. Que ao invés de tentar entender o personagem dentro das especificidades da cultura política argentina, preferem liquidar o assunto com coisas tipo "argentinos são fanáticos".
O que dá sentido à figura de Evita são dois traços da cultura política argentina. Primeiro o engajamento. Os argentinos são um povo muito mais politizado que nós, sendo também incomparavelmente superiores a nós em termos de memória histórica. Segundo, um personalismo extremo, nos superando muito nesse quesito, e olhe que também somos bastante. Basta notar que o grande corte da política argentina está entre os peronistas e os anti-peronistas. Nos dois lados há gente de direita, centro e esquerda, mas que se atacam há quase 70 anos por um lado defender e outro atacar a herança de Juan Domingo Perón.
Perón surgiu na primeira metade dos anos 1940 como o grande defensor das reformas sociais que melhorariam a vida da classe trabalhadora. Rapidamente se transformou no político favorito dos sindicatos, movimentos sociais e da classe trabalhadora argentina. Na verdade, das 15 eleições presidenciais posteriores apenas em 2 o candidato apoiado pelo peronismo perdeu. A surpreendente vitória de Raul Alfonsín em 1983 foi a primeira derrota peronista em uma eleição presidencial. A outra foi a eleição de Fernando de la Rua em 2001, no rescaldo da desastrosa presidência de Carlos Menem.
Muitos brasileiros se confundem quando tentam fazer paralelos entre Vargas e Perón. De certa maneira ocuparam espaços semelhantes eu seus países, mas não vai além daí. Perón nunca foi ditador, sendo eleito três vezes. Na verdade todas as ditaduras argentinas posteriores a ele foram visceralmente anti-peronistas (foram 4 os presidentes derrubados para impedir um governo peronista: Perón, Arturo Frondizi, Arturo Illia e Isabelita Perón). Tampouco era um camaleão político, e tem uma trajetória muito mais coerente que a de Vargas. Ainda que na velhice tenha assumido uma postura claramente mais conservadora, mas sem mudar o essencial do que sempre havia defendido.
Evita se situa nesse quadro, exatamente por ser vista pelos peronistas como a face escancaradamente social do movimento. Não sendo política, não tinha necessidade de obedecer a certas normas de realpolitik. Atacava os "privilegiados" sem papas na língua, enquanto defendia os "descamisados". Seus discursos no balcão da Casa Rosada eram recebidos por uma platéia delirante. Para a massa peronista, Evita encarnava como ninguém o compromisso de defender a população pobre da sanha de uma elite corrupta e aproveitadora. Pelas mesmas razões era ainda mais odiada pela direita do que o próprio Perón. As faixas "Viva o Câncer" brotaram nos bairros elegantes de Buenos Aires quando ela morreu.
E houve também sua morte. Aos 33 anos Evita morreu de um câncer devastador. Três anos depois Perón foi derrubado, passou 18 anos no exílio, voltou mais conservador e casado com uma completa imbecil. Se elegeu presidente, morreu logo em seguida e deixou o país nas mãos da reacionária e estúpida Isabelita, que conduziu o país ao caos.
Evita não viveu nada disso. Não foi derrotada por um golpe, não viveu o exílio, não envelheceu nem acompanhou o declínio final da carreira de Perón. Se transformou rapidamente em mito indestrutível. E é idolatrada sobretudo pelos setores do peronismo que buscam se apresentar como sendo mais preocupados com as reformas sociais e a proteção à classe trabalhadora.
E se me perdoem uma opinião simples: sou Evita e não abro.
PS: relendo o texto identifiquei uma ambiguidade. Nem Arturo Frondizi nem Arturo Illia eram peronistas, mas foram derrubados por serem considerados demasiado complacentes com a tendencia proscrita. Afinal, tinham sido eleitos com os votos peronistas exatamente por terem prometido isso. Na verdade esse era o grande fator de instabilidade da política argentina. Sem o apoio peronista um candidato não seria eleito, mas sem reprimir o peronismo seria derrubado. Foi o que aconteceu com ambos.



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