quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Quando vale a pena comprar briga?

Nasci e cresci em um contexto em que se achava intolerável aceitar quieto os dominantes pisarem nos dominados. Aprendi isso em casa, e o fato de crescer numa cidade operária altamente politizada só acentuou essa característica. Some-se a isso ao ímpeto da juventude e fica fácil entender porque as pessoas que me conheceram há muito tempo pensam em mim como um jovem irritadiço, nervosinho, genioso, sempre comprando briga. Mas o tempo passou. Mês que vem faço 43 anos. Aprendi que uma coisa importante da vida é escolher as batalhas em que entrar.

Uma que eu consigo me desviar sem muito problema é a da indignação seletiva na política. Você sabe do que estou falando. Gente que não liga para a falta de água, para o segredo de justiça que Alckmin consegue para seus erros, para Beto Richa sentando porrada em professor, para o PSDB ser amigo íntimo de Eduardo Cunha mas quer o impeachment da Dilma. Que sequer é acusada de nada. Golpistas que querem derrubar um governo só porque não gostam dele. Perderam a eleição e ao invés de se comportar como qualquer oposição democrática, criticando o que consideram ruim na gestão, querem derrubar uma presidente que sequer é investigada. Pra mim é fácil ignorar isso. Quem pensa esse tipo de coisa só merece pena. Não vale a pena discutir.

Um tipo bem cretino em relação ao qual eu ainda não sei o que fazer é o racista que acredita do fundo da alma que está sitiado por um planeta em que tudo é a favor dos negros. Aquela peça que reclama que não existe o dia da consciência branca, que acha que dizer "fala aí" para o negro que toma umas no bar do lado da casa dele é um passe livre para chamar negros de macacos, já que "tenho amigos negros", e por aí vai. Tudo isso é tão sem sentido que tendo a ver problemas de cognição em quem de fato acredita nisso tendo terminado ao menos o ensino fundamental. Sinceramente, fico confuso por motivos de não entender o que se passa na mente dessas pessoas. Que geralmente usam argumentos tipo "cotas são racismo reverso". É tão ridículo que eu devo confessar que não sei como lidar.

Na linha "ausência de cognição" tem ainda as pessoas que acham que se discutir assuntos como aborto e drogas todo mundo vai abortar e viver chapado 24 horas por dia. Aí são pontos em que eu realmente não consigo entender. A pessoa acha que algo ser liberado significa que todos vão fazer aquilo 24 horas por dia? Sério: quem pode ser tão burro? Você faz todas as coisas que a lei te permite 24 horas por dia? Digamos, você acha que se as drogas forem liberadas todos os médicos estarão chapados? As bebidas alcoolicas sempre foram liberadas, você acha que todo médico está bêbado? E o que você acha do aborto: com todo o respeito, mas você acha que alguém no mundo se importa com sua opinião quando vai abortar? Abortos vão acontecer, independente do que você pense. O que se discute é como e onde, só isso. Lógica básica.

Mas tem outras que já me coçam os dedos. Tipo o homem que quer ensinar as mulheres como ser feministas. Um tipo que você conhece bem também. Começa bancando o compreensivo ("sou simpático à causa", etc.) mas aos poucos começa a resolver ditar ordens sobre como as mulheres devem ou não se manifestar. Aí segue aquele roteiro clássico, que passa pelo desejo sincero, puro e desinteressado de que as feministas parem de odiar homens e acaba desembocando na gritaria contra um tal "femismo" que é a versão do "racismo reverso" que se aplica a mulheres que dizem coisas que o senhor feminista não gosta. O engraçado desse tipo é que ele é tão acostumado a seu lugar privilegiado de poder que muitos desses discursos são sinceros. A pessoa realmente não entende como está sendo autoritária e ladra do protagonismo alheio. Se comporta como o maior babaca do universo achando que está fazendo grande coisa. Supostamente é um "fogo amigo".

Um tipo que já me aborrece mais em particular é o "homofóbico gente boa". Você deve conhecer alguém assim. É aquele que diz coisas tipo "não gosto do Bolsonaro, embora concorde com uma ou outra coisa que ele fala". Como se considera muito gente boa, essa pessoa não quer nem sonhar em ser identificada aos Malafaias e Felicianos, embora vibre de alegria ao ver eles falando mal de gays. É um tipo bem peculiar: detesta gays mas não quer parecer homofóbico. Aí solta umas coisas marotas, tipo "não é que eu goste do Feliciano, mas também olha o que fizeram com ele naquela situação x...". Em suma, pra eles a vítima do mundo não são os que Malafaia e Feliciano querem oprimir, mas os coitadinhos dos pastores milionários. Tem ainda o "não defendo eles, mas o Jean Wyllys, né...", que é basicamente a mesma coisa. Vocês que conhecem minha situação pessoal devem saber o quanto os tipos descritos nos dois últimos parágrafos me deixam livre para usar meus dedos livres para comprar todas as brigas possíveis e imagináveis.

Enfim, a vida está difícil para quem usa o cérebro. Mas vamos sobreviver. Enquanto isso, que tenhamos a sabedoria de escolher as batalhas a lutar.

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