quarta-feira, 17 de junho de 2015

Estupro e humilhação. Em nome de Cristo.

Ontem a Assembléia Legislativa de Pernambuco retirou do Plano Estadual de Educação todas as referências ao tema "gênero". Na véspera a mesma coisa havia acontecido no Distrito Federal. Uma grande vitória das bancadas religiosas. Que em nome daquele que propôs o amor ao semelhante, estão profundamente engajados na manutenção e aprimoramento da destruição daqueles que sofrem todo santo dia, e se alinham com os poderosos, com os que têm dinheiro e poder.

O principal argumento das bancadas religiosas era o de que gênero era uma ideologia. Uma imbecilidade suprema. Gênero é um conceito amplamente usado nas ciências humanas e que, até onde eu saiba, não tem sua validade negada por nenhum estudioso do tema. Mas aí é uma velha estratégia dos poderosos: chamar de "ideologia" o que eles não gostam. Nessa visão, quem contesta a ordem estabelecida é "ideológico", e os que defendem os interesses de plantão são "normais". Jesus com certeza seria um "ideológico radical" para essa gente. Até aí nenhuma grande surpresa.

Mas minha questão nem é essa. Que essas pessoas são lunáticas idiotas ou oportunistas falando borrachada é certo. Mas eu me pergunto como elas se sentem tão autorizadas a falar sobre algo que não sabem. Pois vamos lá. Ninguém é obrigado a saber o uso acadêmico que se faz do termo "gênero" nem o que significa lidar com isso em sala de aula. Tudo bem. Mas se não sabem nada, como se sentem em condições de legislar sobre isso?

Pois vamos combinar: falar de gênero é algo que é inerente ao trabalho do professor. Qualquer pessoa que colocou os pés numa sala de aula em algum dia da sua vida viu bullying, discriminação e coisas do tipo em relação aos grupos dominados. O aluno de orientação homossexual sendo ridicularizado, a guria de minissaia sendo chamada de puta. Isso acontece todo santo dia. Você tem muitas opções quando se defronta com isso. Pode ficar quieto, fingindo que não viu, pode problematizar o assunto, pode culpar a vítima, enfim, são opções. Mas não é possível não tomar partido. O silêncio já é uma opção.

Já contei aqui. Um colega de 4a série era vítima de bullying por sua óbvia orientação homossexual. Nenhum professor nunca fez nada. Dia após dia o rapaz era vaiado, xingado, agredido, e nenhum professor jamais abriu a boca para se pronunciar sobre o assunto. O guri nunca mais apareceu na escola depois do fim do ano. Alguém pode, em sã consciência, defender que o silêncio daqueles professores era "neutro"? Claro que era um sinal verde para que aquilo tudo continuasse. Eu, com 9 anos, via aquilo claramente, meus colegas também, e a vítima em questão também.

Ao tratar a discussão sobre gênero como "ideologia" e o silêncio como norma, é essa realidade que essas pessoas almejam. Que homossexuais sejam xingados, apedrejados, socados na cara, que mulheres sejam alisadas, bolinadas, estupradas. Que o professor não tenha o direito de intervir. Em suma, como sempre o que essa gente quer é manter privilégios. Que o homem hetero e branco possa fazer o que quiser sem ser incomodado. Não há nenhum outro ponto em jogo. Se trata apenas disso.

A referência a questões de gênero no Plano Estadual de Educação simplesmente indicava que os professores deveriam pregar o direito à diversidade e o respeito à diferença. O que soa horrivelmente ofensivo para pessoas que só querem oprimir ainda mais quem já é oprimido. Um pai que tenha uma filha sendo chamada de puta pela escola inteira por alguma foto qualquer postada em alguma rede social iria querer que a escola interviesse. Com toda a razão. Mas na cabeça doentia dessa gente isso é uma intervenção do Estado a favor dos gays. Afinal, eles só pensam nisso. É uma fixação: ninguém no mundo se importa tanto com os gays quanto esse pessoal. Se importam muito mais que os próprios gays.

Resultado: deputados pernambucanos liberaram a agressão, o xingamento, o bullying e tudo o mais que se possa imaginar nas escolas. Sem que os professores possam agir. Para eles, isso é defender a família, a moral, os bons costumes. Tudo em nome de quem sempre se colocou ao lado dos fracos e oprimidos. Obrigado Assembléia Legislativa, obrigado, eleitorado.

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