Acho que só há uma maneira de entender de forma contextualizada a viagem dos senadores brasileiros à Venezuela: colocá-la na série de eventos à qual pertence. Vou lembrar apenas dois, que me parecem muito sintomáticos.
Momento 1: eleições presidenciais. Eleição para cargo executivo, principalmente quando há candidato à reeleição envolvido, depende muito da leitura que o eleitorado está fazendo do governo vigente. Na última eleição o quadro era muito favorável à oposição. Fora dos círculos que amam ou odeiam o governo incondicionalmente e já tinham voto definido há muito tempo, havia um desejo de mudança. Havia inclusive muitos potenciais eleitores do PT que aprovavam as políticas sociais do governo mas que achavam que era hora de dar chance a outro grupo, que mantivesse as preocupações com os mais pobres mas que trouxesse uma renovação no campo político, algo em que Lula e Dilma não fracassaram apenas por simplesmente nem terem tentado fazer.
Então o eleitorado estava disposto a dar chance a um novo político. A grande imprensa deu a ajuda de sempre. A internet disseminou boatos, a maioria francamente absurda, mas que convenceram ingênuos e idiotas, enfim, tudo a favor de Aécio ou Marina. Mesmo assim Dilma ganhou. Por pouco, mas isso apenas mostra o preço da incompetência. Aécio perdeu em Minas Gerais, estado que governou por oito anos, nos dois turnos. E muitos eleitores que andavam descontentes com o governo acabaram votando em Dilma, por não verem nada de novo em Aécio. Bastava ter conquistado um percentual maior desse tipo de eleitor e vencido em sua casa e Aécio venceria, a despeito do caminhão de votos despejados em Dilma pelos nordestinos.
Momento 2: Eduardo Cunha. Sua eleição para a presidência da Câmara e a pauta agressiva que vem impondo são o pesadelo completo para qualquer pessoa sensata do século XXI. Não é questão de ser de direita ou de esquerda. Um corrupto homofóbico aliado da bancada da bala, que é financiado por planos de saúde para atacar o SUS, enfim, um desastre. Que faz a oposição: o elege presidente da Câmara e vota com ele. Sim, o partido de Franco Montoro, Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso votou pela redução da maioridade penal e pela flexibilização da definição de trabalho escravo. Possivelmente vá votar a favor do estatuto da família, da redução da idade legal para trabalhar e qualquer outra coisa que Cunha propuser. Afinal, qualquer coisa que ferre o PT é bom pra eles.
Por aí já se vê novamente a incompetência da oposição à direita, em especial, do PSDB. Qual projeto eles têm para o país? Ferrar o PT. Só isso e nada mais que isso. Essas propostas absurdas são horrorosas para o país e só servem para ferrar ainda mais quem já está ferrado. Mas qual a única coisa que importa? Ser contra o PT. E a incompetência vai ainda mais longe. Pois ao se submeter a todas as vontades do presidente da Câmara, o PSDB cede voluntariamente todo o protagonismo do campo da direita a ele. Nesse ritmo, em 2018 o PSDB estará lutando para tentar indicar o vice da chapa de Eduardo Cunha. Mas não percebe isso, pois só consegue pensar no que é pior para o governo.
Agora a viagem para a Venezuela. Dilma e seu governo estão completamente perdidos. A economia vai mal, um ajuste fiscal altamente impopular está em andamento, o governo foi completamente vampirizado por uma base aliada que nem com todos os cargos do mundo vai parar de jogar contra o governo, pois quanto mais frágil estiver, mais terá de ceder. O que o PSDB faz? Propõe soluções para a economia? Articula uma frente política para tentar uma reforma eleitoral ou política decente? Não, deixa isso tudo nas mãos de Eduardo Cunha e manda seus senadores para a Venezuela para tentar criar um factóide qualquer.
Sim, pois o que houve em Caracas foi um factóide. Para começar os senadores não tinham nada o que fazer lá. Foram interferir abertamente na política interna de outro país. Imagine se o senado norte-americano mandasse uma comissão para analisar a democracia brasileira sem autorização do nosso governo. O que você acharia? Pois é, foi o que Aécio e sua turma foram fazer. Chegaram lá, foram vaiados e xingados, inventaram que foram apedrejados por uma multidão (o único vídeo apresentado mostra umas 20 pessoas xingando, algo que eles devem achar normal, já que ficaram maravilhados com os xingamentos à Dilma na abertura da Copa. Não apareceu uma mísera foto de vidros quebrados do veículo, algo óbvio caso ele fosse apedrejado), e pronto. Uma coisa absolutamente ridícula do início ao fim. Nem a Veja comprou a tese do apedrejamento.
Vamos lá então: 1) os senadores foram em uma viagem completamente sem sentido, violando a soberania venezuelana ao tentar abertamente interferir na política interna do país; 2) nem chegaram a fazer nada, pois ficaram com medo de duas dúzias de pessoas os xingando; 3)voltaram dizendo que a culpa era da Dilma (afinal, ela mandou eles irem pra lá e mandou o Maduro colocar um punhado de militantes para xingar os caras); 4) aproveitaram o ensejo para falar da ditadura venezuelana, uma ditadura muito curiosa, pois está no poder à base de eleições realizadas periodicamente aprovadas por dezenas de observadores internacionais (diga-se de passagem, a emenda de Jair Bolsonaro aprovada esses dias, muda o sistema de voto no Brasil para o sistema venezuelano).
Por que, num cenário tão favorável à oposição, Aécio se junta a gente tão completamente desprezível como Ronaldo Caiado e vai criar factóides em país vizinho? Primeiro por não ter mesmo nada a dizer. Pense: o que você sabe sobre a atuação de Aécio no senado? Nada, claro ele nunca fez nada. Não apresenta projetos, não lidera bancada, não faz posicionamentos públicos, falta até não poder mais. Não tem o que falar mesmo. Por outro lado, quer manter o clima eleitoral, que é o único no qual ele consegue manter protagonismo. Não vamos nos esquecer: a viagem vem logo após o congresso do PSDB ter indicado claramente a pretensão do partido de lançar Alckmin em 2018. Ressucitar o clima eleitoral é um jeito de tentar recuperar espaço perdido dentro do próprio partido.
Sabendo que tem toda a imprensa a seu favor, foi lá, criou o factóide e voltou feliz. Só tem um problema: isso só tem relevância para gente que já odeia o governo a ponto de ficar repetindo "PT, comunista bolivariano" sem obviamente saber do que está falando (são três coisas muito diferentes, mas pra quem é ignorante vale tudo) e votar em qualquer um que se lance contra o PT. Em suma, um discurso para consumo interno. Muito bom para quem já tem maioria. Irrelevante para quem precisa crescer muito para chegar lá. Mas como o passado nos mostra, competência passou longe desse pessoal.
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