Quem quer que tenha alguma ideia do que são PT e PSDB sabe: os partidos que hegemonizam a política brasileira nos últimos 20 anos são inteiramente contrários a coisas como racismo e homofobia. Pensar no Lula sendo racista ou no Montoro sendo homofóbico é algo que não cabe. O mesmo vale para Dilma, Serra, Zé Dirceu, Covas, Mercadante, FHC, etc. Por mais que divirjam em muitas questões, esses partidos tem DNA democrático e nunca apoiariam agendas desse tipo.
Mas infelizmente o Brasil segue sendo racista, machista, homofóbico, anti nordestino. O que siginifca o seguinte: os candidatos que, somados, tem 100% dos votos em todas as eleições presidenciais dos últimos 20 anos, representam algo em que o país não acredita. Vamos dizer a verdade: candidatos do PT e do PSDB receberam nesses anos todos votos de pessoas que tem ideias medievais.
Uma parte da culpa é dos partidos mesmo. Ambos chegaram ao poder e nunca se preocuparam em mudar o país em que viviam. Cada um em seu momento, FHC, Lula e Dilma venceram eleições, colocaram em prática suas politicas econômicas mas nunca enfrentaram os temas citados. Permitiram gostosamente que o Brasil profundo seguisse espancando mulheres, matando homossexuais, estigmatizando negros e por aí afora. Sempre morrendo de medo da enorme bancada conservadora, e em nome da governabilidade, permitiram que os Bolsonaros e Felicianos da vida impusessem suas agendas absurdas.
Outra parte da culpa é de quem elege essas pessoas. Aquele que acha que o Bolsonaro é um cara corajoso por enfrentar a tirania gay feminazi. O que pensa que Feliciano é a salvação da "família". Quem vota meio sem pensar no cara do bairro que é gente boa e nunca vai se eleger, mas soma votos para esse pessoal chegar à Câmara. Essas são as pessoas que lotam o legislativo de entulho, de pessoas que os cagões petistas e tucanos morrem de medo de desagradar. É por causa de gente assim, e dos que morrem de medo deles, que a situação é essa.
Aí quem paga? Minha filha, que é homossexual e tem de lidar com a rejeição de quem deveria dar suporte a ela. Minha irmã, espancada enquanto corria para manter a forma, só porque é mulher. Minha sobrinha, linda e maravilhosa, mas que tem o pecado da pele escura. Meus alunos, que nem podem falar do quanto tiveram sua vida melhorada sem serem chamados de analfabetos nordestinos que vendem seu voto por um bando de gente que nasceu em berço de ouro e sempre teve tudo.
Parabéns a todos os envolvidos no processo. Todos vocês que acham que o Bolsonaro é um cara corajoso. Os que pensam que o Feliciano tem lá seus méritos por defender a "família". Os que votam no vizinho sem saber de que partido ele é, já que "é tudo igual mesmo". Os que endossam as posições dos reaças imbecis achando que estão desafiando a "ditadura do politicamente correto". Parabéns a vocês. As cenas descritas no parágrafo anterior acontecem milhares de vezes por dia em nosso país por causa de gente como vocês. Espero que estejam felizes com isso.
Pois ao seu lado também há gente assim. Seja lá quem você seja, pode ter certeza que bem pertinho de você tem alguém que sofreu pela sua orientação sexual. Alguma mulher que foi abusada sexualmente ou que foi surrada por algum misógino imbecil. Independente de quem você seja, há alguém que você ama que é vítima de racismo todo santo dia. Por isso citei pessoas tão próximas a mim. Entendam, amigos e amigas: bem pertinho de você tem gente vítima de estupro, agressão, racismo, homofobia. Pois esse é o mundo em que vivemos. Se você prefere fingir que não acontece nada, e seguir sua vida, tudo bem. Mas saiba: tem gente sofrendo muito pela sua postura. Sofrer por isso tudo já é doloroso em um nível que nem posso imaginar. Mas sua postura privilegiada torna tudo pior para gente que te ama. Pense nisso.
terça-feira, 27 de janeiro de 2015
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
Quando a Indonésia despertou a insanidade coletiva brasileira
A humanidade não cansa de nos surpreender. E geralmente não no bom sentido. A última que tivemos de encarar foram as reações absolutamente irracionais à execução de Marco Archer. Uma tsunami de chorume invadiu as redes sociais, com argumentos completamente absurdos defendendo a execução e criticando a presidente por ter tentado frear a consumação da pena capital. Entender o que houve me parece um exercício importante para ajudar a conhecer o país em que vivemos.
"tá com pena dele? Leva pra casa!". Sem dúvidas o mais tosco argumento (?) de todos os que apareceram nessa conversa toda, e um dos mais difundidos. Ninguém que eu tenha visto disse que Archer era um cara legal, que era um injustiçado, que era inocente ou que não deveria pagar pelo que fez. Esse argumento só existe dentro da lógica louca de que linchamentos e execuções sumárias são coisas ótimas, e quem se opõe a elas é porque "gosta de bandido". Aí veem pessoas sendo contra a pena de morte e entendem que o que está sendo dito é "imagina, esses caras são super legais, gente boa, injustiçados". Nada disso foi dito. O que há apenas é um ponto de vista diferente sobre como punir criminosos. Mas a mente autoritária dessas pessoas não reconhece a diferença de pontos de vista. Para elas, achar que criminosos não devem ser mortos é a mesmíssima coisa que dizer que eles são maravilhosos. Tosqueira total.
"tão reclamando de que? um traficante a menos no mundo". Quem diz isso não entendeu NADA. Inclusive sobre o tráfico. Desafia a mais elementar lógica achar que tirar de cena um traficante mude qualquer coisa no mundo das drogas. Os grandes traficantes estão lá, intactos, a demanda segue a mesma. Ou seja: esse saiu de cena, e na mesma hora outro tomou seu lugar. Achar que isso resolve algo é burrice demais. Minha cabeça não consegue processar tamanha imbecilidade.
"Por que a Dilma intercedeu por ele e não falou nada sobre policiais e inocentes que morrem aqui todo dia?". Esse argumento não tem nada de idiota, mas acho que ele perde um ponto muito importante. As pessoas que lamentavelmente são vitimadas por nossa violência de cada dia são assunto de segurança interna. Se qualquer presidente for se pronunciar sobre cada uma delas não vai fazer mais nada da vida. O caso de Archer era assunto de Estado. Só o presidente poderia agir. Eu sei, soa terrível. Perdi um primo barbaramente assassinado aos 23 anos. O presidente FHC não se pronunciou a respeito. Mas tentaria impedir a execução de um traficante brasileiro em outro país. Por pior que pareça, estaria correto. A morte do meu primo era assunto de segurança interna. Execução de brasileiro no exterior, por mais culpado que seja, é assunto de Estado.
"Indonésia fez o certo, não pode ter pena dessa gente". Um grave erro de lógica aqui. A definição de pena não deve (ou não deveria, ao menos) ser guiada pelo desejo de vingança. Mas sim se basear no que é melhor para a sociedade como um todo. E há uma avalanche de estudos provando de forma incontestável que não há nenhuma relação entre aumento das penas e redução da criminalidade. Provavelmente o que vamos ter na Indonésia com sua política de execução de traficantes é: os transportadores, como Archer, serão muito mais bem pagos, já que estarão sujeitos a um risco maior. Só isso.
"Ah, mas dos que são fuzilados em Cuba a Dilma não fala!". Aqui uma outra tosqueira. A Dilma é presidente do Brasil, e não ombudsman do universo. A função dela não é ficar apontando o dedo para tudo o que acontece de errado no mundo. Ela só teve alguma participação nesse caso por envolver um cidadão brasileiro. Ou seja: era uma questão de Estado, como já citado no item anterior. Se algum dia algum brasileiro estiver para ser executado em Cuba e ela não falar nada, aí podemos conversar. Por ora, esse argumento é apenas imbecil.
"Alá o PT sendo a favor da impunidade mais uma vez". Essa aí vai pra conta da insanidade generalizada que vivemos nesse clima de radicalização política. Ninguém pediu que Archer fosse absolvido ou libertado. O pedido do governo brasileiro foi que, por motivos humanitários, a pena de morte fosse transformada em prisão perpétua. Uma pena que sequer existe em nosso país. Achar que prisão perpétua equivale à absolvição, me perdoem, mas é sério indicativo de problemas cognitivos.
"Ele sabia as leis do país quando fez o que fez". Verdade. Mas vamos pensar dentro dessa mesma lógica só que em outra situação. Um país prevê que a traição conjugal ou o homossexualismo sejam penalizados com morte a pedradas. Se você souber que uma mulher desse pais vai morrer dessa maneira bárbara por ter traído o marido vai pensar "bem feito, ela sabia as leis, azar dela"? Ou vai concluir que algo estar previsto em lei não impede as pessoas de discordar da pena atribuída?
"Temos de respeitar as leis da Indonésia". Taí um clássico recurso argumentativo. Soltar uma verdade e rezar para ninguém perceber que ela não refuta a tese inimiga. Afinal, é óbvio que todo país é soberano para ter as leis que quiser e cumprí-las como achar melhor. Mas eu pergunto: você viu alguém discordando disso? A Dilma pediu a comutação da pena em prisão perpétua, que é algo plenamente dentro das leis do país, bastava o governante deles querer e seria algo plenamente dentro da legislação indonésia. Pessoas como eu não defendem que o país seja invadidos porque não concordamos com suas leis. Simplesmente discordamos dessas leis. E me parece que fazer isso não é desrespeitar a soberania nacional. Em suma, de novo é um argumento que parece sedutor, mas se opõe a algo que não foi dito por ninguém. Uma tese válida e correta, mas que nesse contexto se torna apenas um argumento vazio.
"tá com pena dele? Leva pra casa!". Sem dúvidas o mais tosco argumento (?) de todos os que apareceram nessa conversa toda, e um dos mais difundidos. Ninguém que eu tenha visto disse que Archer era um cara legal, que era um injustiçado, que era inocente ou que não deveria pagar pelo que fez. Esse argumento só existe dentro da lógica louca de que linchamentos e execuções sumárias são coisas ótimas, e quem se opõe a elas é porque "gosta de bandido". Aí veem pessoas sendo contra a pena de morte e entendem que o que está sendo dito é "imagina, esses caras são super legais, gente boa, injustiçados". Nada disso foi dito. O que há apenas é um ponto de vista diferente sobre como punir criminosos. Mas a mente autoritária dessas pessoas não reconhece a diferença de pontos de vista. Para elas, achar que criminosos não devem ser mortos é a mesmíssima coisa que dizer que eles são maravilhosos. Tosqueira total.
"tão reclamando de que? um traficante a menos no mundo". Quem diz isso não entendeu NADA. Inclusive sobre o tráfico. Desafia a mais elementar lógica achar que tirar de cena um traficante mude qualquer coisa no mundo das drogas. Os grandes traficantes estão lá, intactos, a demanda segue a mesma. Ou seja: esse saiu de cena, e na mesma hora outro tomou seu lugar. Achar que isso resolve algo é burrice demais. Minha cabeça não consegue processar tamanha imbecilidade.
"Por que a Dilma intercedeu por ele e não falou nada sobre policiais e inocentes que morrem aqui todo dia?". Esse argumento não tem nada de idiota, mas acho que ele perde um ponto muito importante. As pessoas que lamentavelmente são vitimadas por nossa violência de cada dia são assunto de segurança interna. Se qualquer presidente for se pronunciar sobre cada uma delas não vai fazer mais nada da vida. O caso de Archer era assunto de Estado. Só o presidente poderia agir. Eu sei, soa terrível. Perdi um primo barbaramente assassinado aos 23 anos. O presidente FHC não se pronunciou a respeito. Mas tentaria impedir a execução de um traficante brasileiro em outro país. Por pior que pareça, estaria correto. A morte do meu primo era assunto de segurança interna. Execução de brasileiro no exterior, por mais culpado que seja, é assunto de Estado.
"Indonésia fez o certo, não pode ter pena dessa gente". Um grave erro de lógica aqui. A definição de pena não deve (ou não deveria, ao menos) ser guiada pelo desejo de vingança. Mas sim se basear no que é melhor para a sociedade como um todo. E há uma avalanche de estudos provando de forma incontestável que não há nenhuma relação entre aumento das penas e redução da criminalidade. Provavelmente o que vamos ter na Indonésia com sua política de execução de traficantes é: os transportadores, como Archer, serão muito mais bem pagos, já que estarão sujeitos a um risco maior. Só isso.
"Ah, mas dos que são fuzilados em Cuba a Dilma não fala!". Aqui uma outra tosqueira. A Dilma é presidente do Brasil, e não ombudsman do universo. A função dela não é ficar apontando o dedo para tudo o que acontece de errado no mundo. Ela só teve alguma participação nesse caso por envolver um cidadão brasileiro. Ou seja: era uma questão de Estado, como já citado no item anterior. Se algum dia algum brasileiro estiver para ser executado em Cuba e ela não falar nada, aí podemos conversar. Por ora, esse argumento é apenas imbecil.
"Alá o PT sendo a favor da impunidade mais uma vez". Essa aí vai pra conta da insanidade generalizada que vivemos nesse clima de radicalização política. Ninguém pediu que Archer fosse absolvido ou libertado. O pedido do governo brasileiro foi que, por motivos humanitários, a pena de morte fosse transformada em prisão perpétua. Uma pena que sequer existe em nosso país. Achar que prisão perpétua equivale à absolvição, me perdoem, mas é sério indicativo de problemas cognitivos.
"Ele sabia as leis do país quando fez o que fez". Verdade. Mas vamos pensar dentro dessa mesma lógica só que em outra situação. Um país prevê que a traição conjugal ou o homossexualismo sejam penalizados com morte a pedradas. Se você souber que uma mulher desse pais vai morrer dessa maneira bárbara por ter traído o marido vai pensar "bem feito, ela sabia as leis, azar dela"? Ou vai concluir que algo estar previsto em lei não impede as pessoas de discordar da pena atribuída?
"Temos de respeitar as leis da Indonésia". Taí um clássico recurso argumentativo. Soltar uma verdade e rezar para ninguém perceber que ela não refuta a tese inimiga. Afinal, é óbvio que todo país é soberano para ter as leis que quiser e cumprí-las como achar melhor. Mas eu pergunto: você viu alguém discordando disso? A Dilma pediu a comutação da pena em prisão perpétua, que é algo plenamente dentro das leis do país, bastava o governante deles querer e seria algo plenamente dentro da legislação indonésia. Pessoas como eu não defendem que o país seja invadidos porque não concordamos com suas leis. Simplesmente discordamos dessas leis. E me parece que fazer isso não é desrespeitar a soberania nacional. Em suma, de novo é um argumento que parece sedutor, mas se opõe a algo que não foi dito por ninguém. Uma tese válida e correta, mas que nesse contexto se torna apenas um argumento vazio.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2015
Liberdade de imprensa deve ser ilimitada?
Logo após o ato terrorista de Paris a imprensa e as redes sociais foram tomados de furor e indignação. O que é mais do que justo, já que pessoas foram mortas por causa de charges. Isso é inaceitável. Tendo colocado isso, aqui vai uma reflexão sobre a liberdade de imprensa.
Pois no Brasil esse foi o tema dominante após o evento. Os desenhistas foram colocados no papel de mártires da liberdade de imprensa. E isso não mudou quando começaram a aparecer charges da revista zombando da religião alheia, caracterizando uma ministra negra como macaca ou estereotipando muçulmanos como selvagens e terroristas. Afinal, para os Voltaires de Facebook (como disse um texto cujo autor não gravei) vale tudo em nome da liberdade de expressão. Nem falo dos escrotos de sempre que amam Rafinha Bastos e Danilo Gentili. Penso aqui nos liberais, que acham que qualquer restrição à liberdade de imprensa é uma agressão à democracia e ao pessoal de esquerda que acha que os cartunistas eram "libertários" e estão chocados.
Vamos começar assim: a liberdade de expressão deve ser sem limites? A minha resposta é: NÃO. Imagine uma publicação que deliberadamente dê uma notícia falsa que cause a morte de milhares de pessoas. Ela não deve ser penalizada na justiça? Num caso desses você bancaria o Voltaire de Facebook e diria que esse processo seria um atentado à liberdade de expressão e uma volta à ditadura? Eu sei que é um exemplo limite e fictício, mas o objetivo aqui é debater uma tese. A liberdade de expressão não pode estar acima das leis de um país.
Aliás todas as liberdades tem limites. Se amanhã aparecer uma religião que pregue que os homens devem cortar a cabeça das esposa caso elas recusem sexo, alguém vai poder fazer isso e alegar que o Estado garante o livre exercício de sua religião? O direito de ir e vir é negado à milhares de pessoas, é só olhar para as nossas prisões. Mas aí vamos chamar isso de ditadura, já que o cara não pode sair de sua cela? Todas as liberdades têm limites, todos achamos isso absolutamente normal. Por que com a imprensa e com os humoristas isso seria diferente? Ok, eu entendo, tivemos uma ditadura relativamente recente, todos conhecemos pessoas que sofreram por ela, então o fantasma da censura de fato paira sobre nós. Mas notem como isso não faz sentido, né?
Na verdade, há um ponto ainda mais importante aqui. A liberdade não é um salvo conduto para as pessoas fazerem o que quiserem. Muito pelo contrário. A liberdade significa que cabe a você decidir o que fazer e se responsabilizar pelas consequencias. O ponto é exatamente esse: junto com a liberdade vem a responsabilidade. Não é porque uma coisa pode ser feita que ela deve ser feita. Posso, por puro capricho, jogar um quilo de comida no bueiro em frente a uma família passando fome. Mas se eu tiver um mínimo de humanidade eu não vou fazer isso. Eu posso, mas não devo.
Ano passado milhares de pessoas mandaram a Dilma tomar no cu na abertura da copa, para delírio de muitos eleitores da oposição. Se confrontados com a opinião de que foi um desrespeito eles respondiam "eu tenho direito de fazer isso". Claro que tem. Tanto que fizeram e não aconteceu nada. A questão é: realmente parece sensato a qualquer pessoa razoável desrespeitar de tal maneira a comandante máxima de seu país? É o tipo de coisa: lógico que é seu direito fazer isso. Mas a meu ver é um direito que deve ficar guardadinho na gaveta. E não só esse. Todos têm direito de ser escrotos, babacas, imbecis. Mas isso não é justificativa para ser nenhuma dessas coisas.
A democracia não é um sistema em que todos podem fazer o que quiserem. A democracia é um sistema em que as pessoas têm o direito de escolha e a obrigação de se responsablizar pelas consequencias. Se processar um veículo de imprensa que mente ou ofende for sinônimo de censura, então isso é dar à mídia um poder que absolutamente ninguém tem em nossa sociedade.
E acho que o argumento liberal tem mais um defeito claro. Normalmente eles justificam esse humor ofensivo com algo tipo "o que importa é ser engraçado, essa é a função do humorista". Mas putaqueopariu, quem acha engraçado piada agredindo negros, muçulmanos, mulheres estupradas, etc? Que tipo de débil mental é capaz de morrer de rir desse tipo de coisa e falar "ah, é só uma piada, não seja um politicamente correto chatão".
Agora a esquerda: caras, essas charges não tem nada de provocantes e questionadoras. Elas são ofensivas. Mostrar um muçulmano sendo baleado e gritando "o corão é uma merda" não tem nada de libertário e nem está quebrando paradigma nenhum. Isso é escrotidão pura. Esse argumento esquerdista parece muito com os dos Rafinha Bastos da vida, que agridem mulher estuprada e dizem que estão lutando contra a ditadura do politicamente correto. Parece muito não: eu não consigo ver NENHUMA diferença.
As mortes causaram uma justiça comoção mundial. Não há justificativa ou relativização para o que foi feito. Mas não precisamos defender o indefensável para nos indignarmos com o que aconteceu.
Pois no Brasil esse foi o tema dominante após o evento. Os desenhistas foram colocados no papel de mártires da liberdade de imprensa. E isso não mudou quando começaram a aparecer charges da revista zombando da religião alheia, caracterizando uma ministra negra como macaca ou estereotipando muçulmanos como selvagens e terroristas. Afinal, para os Voltaires de Facebook (como disse um texto cujo autor não gravei) vale tudo em nome da liberdade de expressão. Nem falo dos escrotos de sempre que amam Rafinha Bastos e Danilo Gentili. Penso aqui nos liberais, que acham que qualquer restrição à liberdade de imprensa é uma agressão à democracia e ao pessoal de esquerda que acha que os cartunistas eram "libertários" e estão chocados.
Vamos começar assim: a liberdade de expressão deve ser sem limites? A minha resposta é: NÃO. Imagine uma publicação que deliberadamente dê uma notícia falsa que cause a morte de milhares de pessoas. Ela não deve ser penalizada na justiça? Num caso desses você bancaria o Voltaire de Facebook e diria que esse processo seria um atentado à liberdade de expressão e uma volta à ditadura? Eu sei que é um exemplo limite e fictício, mas o objetivo aqui é debater uma tese. A liberdade de expressão não pode estar acima das leis de um país.
Aliás todas as liberdades tem limites. Se amanhã aparecer uma religião que pregue que os homens devem cortar a cabeça das esposa caso elas recusem sexo, alguém vai poder fazer isso e alegar que o Estado garante o livre exercício de sua religião? O direito de ir e vir é negado à milhares de pessoas, é só olhar para as nossas prisões. Mas aí vamos chamar isso de ditadura, já que o cara não pode sair de sua cela? Todas as liberdades têm limites, todos achamos isso absolutamente normal. Por que com a imprensa e com os humoristas isso seria diferente? Ok, eu entendo, tivemos uma ditadura relativamente recente, todos conhecemos pessoas que sofreram por ela, então o fantasma da censura de fato paira sobre nós. Mas notem como isso não faz sentido, né?
Na verdade, há um ponto ainda mais importante aqui. A liberdade não é um salvo conduto para as pessoas fazerem o que quiserem. Muito pelo contrário. A liberdade significa que cabe a você decidir o que fazer e se responsabilizar pelas consequencias. O ponto é exatamente esse: junto com a liberdade vem a responsabilidade. Não é porque uma coisa pode ser feita que ela deve ser feita. Posso, por puro capricho, jogar um quilo de comida no bueiro em frente a uma família passando fome. Mas se eu tiver um mínimo de humanidade eu não vou fazer isso. Eu posso, mas não devo.
Ano passado milhares de pessoas mandaram a Dilma tomar no cu na abertura da copa, para delírio de muitos eleitores da oposição. Se confrontados com a opinião de que foi um desrespeito eles respondiam "eu tenho direito de fazer isso". Claro que tem. Tanto que fizeram e não aconteceu nada. A questão é: realmente parece sensato a qualquer pessoa razoável desrespeitar de tal maneira a comandante máxima de seu país? É o tipo de coisa: lógico que é seu direito fazer isso. Mas a meu ver é um direito que deve ficar guardadinho na gaveta. E não só esse. Todos têm direito de ser escrotos, babacas, imbecis. Mas isso não é justificativa para ser nenhuma dessas coisas.
A democracia não é um sistema em que todos podem fazer o que quiserem. A democracia é um sistema em que as pessoas têm o direito de escolha e a obrigação de se responsablizar pelas consequencias. Se processar um veículo de imprensa que mente ou ofende for sinônimo de censura, então isso é dar à mídia um poder que absolutamente ninguém tem em nossa sociedade.
E acho que o argumento liberal tem mais um defeito claro. Normalmente eles justificam esse humor ofensivo com algo tipo "o que importa é ser engraçado, essa é a função do humorista". Mas putaqueopariu, quem acha engraçado piada agredindo negros, muçulmanos, mulheres estupradas, etc? Que tipo de débil mental é capaz de morrer de rir desse tipo de coisa e falar "ah, é só uma piada, não seja um politicamente correto chatão".
Agora a esquerda: caras, essas charges não tem nada de provocantes e questionadoras. Elas são ofensivas. Mostrar um muçulmano sendo baleado e gritando "o corão é uma merda" não tem nada de libertário e nem está quebrando paradigma nenhum. Isso é escrotidão pura. Esse argumento esquerdista parece muito com os dos Rafinha Bastos da vida, que agridem mulher estuprada e dizem que estão lutando contra a ditadura do politicamente correto. Parece muito não: eu não consigo ver NENHUMA diferença.
As mortes causaram uma justiça comoção mundial. Não há justificativa ou relativização para o que foi feito. Mas não precisamos defender o indefensável para nos indignarmos com o que aconteceu.
quinta-feira, 1 de janeiro de 2015
Digamos as coisas como elas são: quem fala em "ditadura gay" é um completo idiota
Vou confessar: passei o primeiro dia do ano chorando toda hora. Chorei muitas vezes hoje. Um motivo foi a posse da Dilma, não pela perspectiva do que vem por ai, mas por outras questões que deixo pra discutir em outra ocasião. Mas teve outro motivo. Na última madrugada de 2014 uma pessoa que adoro, que respeito, por quem tenho muito carinho, uma pessoa jovem, estudiosa e esforçada, veio me contar de seus problemas para ser aceita em sua própria família. Motivo: orientação homossexual. E não é uma família de bolsonaros ou de malafaias: bem longe disso, na verdade. Gente de esquerda.
Chorei porque isso é a coisa mais injusta que eu possa imaginar. Por que diabos uma família vai rejeitar um membro jovem, lutador, inteligente, por causa de uma orientação sexual? Meu Deus do céu, é uma pessoa que eu trocaria minha casa e meu emprego pelo direito de tê-la como filha. E os pais da pessoa, vendo todas as qualidades dela, certamente vendo ainda muitas outras que eu nem suspeito, se arriscam a perder o amor dessa pessoa por causa de algo que nem diz respeito a elas!
Esse é o tipo de coisa que quem está do lado hegemônico não entende. A gente pode ser favorável, defensor dos direitos, simpatizar o quanto quiser com a causa. Mas nenhum hetero do mundo faz ideia do que é ver a rejeição nos olhos das pessoas que você mais ama apenas porque você tem uma orientação sexual que a ciência já provou que nasce conosco, e é algo que não faz mal a absolutamente ninguém. Cada vez que nós, héteros, trocamos demonstrações de afeto com nossos parceiros em espaços públicos, não nos ocorre que é algo que é negado a todos os nossos amigos homossexuais. Nunca ouvi falar de alguém que foi morto, agredido, xingado, por ser hétero. Para os homossexuais, esses são riscos diários. Vamos assumir: por mais que sejamos defensores da causa, não fazemos ideia do que é viver assim.
Por outro lado, sabemos perfeitamente o que são as pessoas que acham que o Brasil vive uma ditadura gay: um bando de imbecis, idiotas, inomináveis. Um bando de filhos da puta que quer simplesmente negar aos outros direitos que eles têm. Gente que não tem problema nenhum com pessoas que jogam bebês recém nascidos no lixo, mas que vão pra rua exigir que esse mesmo bebê não seja adotado por duas pessoas do mesmo sexo apenas por serem idiotas o bastante para achar que uma criança "não vai entender isso" (um coelho trazer ovos de chocolate, por outro lado, parece bem simples de explicar para essas pessoas) ou por motivos absolutamente irracionais tipo "gays criam filhos gays" (claro, casais heteros nunca criam filhos que são gays, isso nunca aconteceu). Tem ainda o clássico "a Bíblia diz que...", o que faz muito sentido, já que vivemos hoje exatamente como os judeus de 3 mil anos atrás (será que essas pessoas leram a Bíblia e viram outras coisas que estão lá?). Me recuso a discutir o "gay tem de morrer", pois aí já é caso de internação mesmo.
Há coisas que eu consigo entender. Eu mesmo nasci em 1972. O essencial da minha personalidade se formou nos anos 70. Uma época em que fazer piadas racistas era "normal", homossexualismo era doença e matar a esposa não dava cadeia pra quase ninguém. Tenho pensamentos homofóbicos, racistas e machistas SIM. Odeio que aconteça. Mas tento me perdoar pensando que cresci num mundo assim, e que o que importa é ter a autocrítica de reconhecer isso e tentar ajudar a que o mundo seja melhor do que aquele em que nasci. Nisso, como em tantas outras coisas, meu exemplo é minha mãe, a pessoa mais legal do universo, que do alto de seus 62 anos soltou um "Tiago, eu não acho que homossexualismo seja normal. Mas eu sou velha, o mundo mudou muito, e por mais difícil que seja pra nós, acho que nosso papel é tentar entender isso tudo". É exatamente o que penso: temos de reconhecer as limitações que temos em função do mundo em que crescemos e tentar melhorar.
Mas todas as relativizações acabam quando lembro que a pessoa que deu origem ao post se despediu de mim com um "beijo, pai". Não sou pai dela, ainda que eu vendesse minha alma para que isso fosse verdade. E ela sabe disso. Mas a pessoa está numa situação em que o pai que ela ama e idolatra não a aceita por ser quem ela é. O que causa quatro coisas em mim: 1) a certeza de que nunca vou poder entender o que passa quem está nessa situação; 2) vontade de ir sequestrar a criatura e cuidar dela para que ela se sinta bem; 3) vontade de chorar sem parar por viver neste mundo escroto; 4) a certeza de que todas as pessoas que acham que um beijo entre pessoas do mesmo sexo na TV "prova" que vivemos numa ditadura gay significa que elas merecem apenas uma frase: VÃO TOMAR NO CU
Chorei porque isso é a coisa mais injusta que eu possa imaginar. Por que diabos uma família vai rejeitar um membro jovem, lutador, inteligente, por causa de uma orientação sexual? Meu Deus do céu, é uma pessoa que eu trocaria minha casa e meu emprego pelo direito de tê-la como filha. E os pais da pessoa, vendo todas as qualidades dela, certamente vendo ainda muitas outras que eu nem suspeito, se arriscam a perder o amor dessa pessoa por causa de algo que nem diz respeito a elas!
Esse é o tipo de coisa que quem está do lado hegemônico não entende. A gente pode ser favorável, defensor dos direitos, simpatizar o quanto quiser com a causa. Mas nenhum hetero do mundo faz ideia do que é ver a rejeição nos olhos das pessoas que você mais ama apenas porque você tem uma orientação sexual que a ciência já provou que nasce conosco, e é algo que não faz mal a absolutamente ninguém. Cada vez que nós, héteros, trocamos demonstrações de afeto com nossos parceiros em espaços públicos, não nos ocorre que é algo que é negado a todos os nossos amigos homossexuais. Nunca ouvi falar de alguém que foi morto, agredido, xingado, por ser hétero. Para os homossexuais, esses são riscos diários. Vamos assumir: por mais que sejamos defensores da causa, não fazemos ideia do que é viver assim.
Por outro lado, sabemos perfeitamente o que são as pessoas que acham que o Brasil vive uma ditadura gay: um bando de imbecis, idiotas, inomináveis. Um bando de filhos da puta que quer simplesmente negar aos outros direitos que eles têm. Gente que não tem problema nenhum com pessoas que jogam bebês recém nascidos no lixo, mas que vão pra rua exigir que esse mesmo bebê não seja adotado por duas pessoas do mesmo sexo apenas por serem idiotas o bastante para achar que uma criança "não vai entender isso" (um coelho trazer ovos de chocolate, por outro lado, parece bem simples de explicar para essas pessoas) ou por motivos absolutamente irracionais tipo "gays criam filhos gays" (claro, casais heteros nunca criam filhos que são gays, isso nunca aconteceu). Tem ainda o clássico "a Bíblia diz que...", o que faz muito sentido, já que vivemos hoje exatamente como os judeus de 3 mil anos atrás (será que essas pessoas leram a Bíblia e viram outras coisas que estão lá?). Me recuso a discutir o "gay tem de morrer", pois aí já é caso de internação mesmo.
Há coisas que eu consigo entender. Eu mesmo nasci em 1972. O essencial da minha personalidade se formou nos anos 70. Uma época em que fazer piadas racistas era "normal", homossexualismo era doença e matar a esposa não dava cadeia pra quase ninguém. Tenho pensamentos homofóbicos, racistas e machistas SIM. Odeio que aconteça. Mas tento me perdoar pensando que cresci num mundo assim, e que o que importa é ter a autocrítica de reconhecer isso e tentar ajudar a que o mundo seja melhor do que aquele em que nasci. Nisso, como em tantas outras coisas, meu exemplo é minha mãe, a pessoa mais legal do universo, que do alto de seus 62 anos soltou um "Tiago, eu não acho que homossexualismo seja normal. Mas eu sou velha, o mundo mudou muito, e por mais difícil que seja pra nós, acho que nosso papel é tentar entender isso tudo". É exatamente o que penso: temos de reconhecer as limitações que temos em função do mundo em que crescemos e tentar melhorar.
Mas todas as relativizações acabam quando lembro que a pessoa que deu origem ao post se despediu de mim com um "beijo, pai". Não sou pai dela, ainda que eu vendesse minha alma para que isso fosse verdade. E ela sabe disso. Mas a pessoa está numa situação em que o pai que ela ama e idolatra não a aceita por ser quem ela é. O que causa quatro coisas em mim: 1) a certeza de que nunca vou poder entender o que passa quem está nessa situação; 2) vontade de ir sequestrar a criatura e cuidar dela para que ela se sinta bem; 3) vontade de chorar sem parar por viver neste mundo escroto; 4) a certeza de que todas as pessoas que acham que um beijo entre pessoas do mesmo sexo na TV "prova" que vivemos numa ditadura gay significa que elas merecem apenas uma frase: VÃO TOMAR NO CU
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