sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O problema não é o Bolsonaro, mas a sociedade que o apóia

Evito gastar muito tempo falando do Bolsonaro. Sinceramente não o vejo como um problema. Trata-se de mais um picareta oportunista entre tantos outros que temos em nosso país. Entendo perfeitamente as pessoas que têm nojo dele e o criticam, ainda mais depois da insuportavelmente absurda atitude perante Maria do Rosário. Uma das minhas melhores amigas foi estuprada. Duas vezes. Quando penso nele falando como se estupro fosse algo a que se faz jus (ainda mais no plenário do congresso, se dirigindo a uma deputada eleita pela população de seu estado) também sinto nojo, não consigo deixar de vê-lo como uma criatura abjeta. Isso não se discute. A questão é: Bolsonaro é o de menos.

A questão é: Bolsonaro não foi NOMEADO para o congresso. Foi eleito. Está no fim de seu sexto mandato como deputado federal, e em breve assumirá o sétimo, para o qual foi eleito com a maior votação dentre todos os que concorriam à vaga no estado do Rio de Janeiro. Mais que isso. Ele começou como um deputado que obtinha mandatos com votos de policiais e militares. Mas com a radicalização crescente dos últimos 12 anos se transformou em protagonista a ponto de ser um dos políticos mais votados e conhecidos do nosso congresso nacional. Então convenhamos que aí há algo em que temos de pensar.

Para mim a principal questão é: o que faz tanta gente se sentir representada por Bolsonaro? Me parece claro que o deputado capitaliza um vago e genérico sentimento de insatisfação conservadora. Pessoas que acham que gays estão dominando o mundo, que o Brasil é uma ditadura comunista, que acreditam que homens nasceram para dominar o frágil sexo oposto mas são obrigados a lidar com insuportáveis feministas de pernas peludas que odeiam todos os homens do planeta, gente que sente saudade da "ordem" dos tempos da ditadura (estão plenamente dispostos a ter de volta a censura, a amarra política e o caos econômico caso os subalternos tenham a boca fechada à força), e por aí vai.

Não é uma insatisfação politizada. Qualquer pessoa que tenha alguma noção do que é o PSDB sabe que é um partido que jamais endossou qualquer uma dessas posturas. Quem sabe minimamente quem são (ou foram) Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, José Serra e outros tem a perfeita noção de que o deputado devia odiar essas pessoas com o mesmo ardor que mostra contra o PT. Mas o fato de termos um governo petista no poder abriu espaço para que essa gente liberasse seus demônios como nunca. Termos absurdos como "petismo comunista bolivariano" foram o mote para uma onda absolutamente direitista que não se sente representada pelos dois partidos que disputam o poder há 20 anos. Mas o fato de termos um partido visto como "comunista" no poder liberou esses demonios.

Bolsonaro nada mais é do que um oportunista que percebeu que havia um nicho enorme nesse contexto. Passou a criar factóide em cima de factóide. Defesa da ditadura, crítica a feministas, apologia ao estupro, tanto fazia. O que importa a ele é marcar posição como o grande defensor desse mundo maravilhoso que se perdeu com a ascensão do comunismo-feminismo-gayzismo. Mais que isso, notou que seus factóides serviam para deixar exaltados seus opositores, o que serve para justificar seu absurdo discurso auto vitimizatório, de que é perseguido pela tal ditadura comunista-feminista-gayzista, fortalecendo então o apoio da camada lunática da nossa sociedade que acredita nessas coisas. Muita gente do nosso lado não percebeu que xingar Bolsonaro apenas o fortalece ainda mais. Para seus seguidores, essas críticas provam que ele é um perseguido por dizer a VERDADE que comunistas, gays e feministas querem esconder.

Creio que os leitores deste post entenderam o quanto sou radicalmente opositor à tudo o que esse imbecil defende. Mas me parece que o buraco está bem mais embaixo. Suponhamos que ele se retirasse da política hoje. O que vocês acham que aconteceria? Alguém duvida que apareceria outro oportunista com o mesmo discurso em busca dos mesmos votos dele? Então, o problema não é Bolsonaro. Nem Olavo de Carvalho, Lobão, Feliciano. É a quantidade de pessoas da nossa sociedade que segue achando que vivemos numa ditadura comunista, que gays tem de morrer, que mulheres existem para servir aos homens e que negros têm de agradecer por não serem chicoteados. Quando acabar essa visão de mundo, nunca mais teremos bolsonaros e felicianos. E é contra isso que temos de lutar.

Um comentário:

  1. Sim, ele foi eleito, mas em um sistema político viciado, onde os candidatos investem em suas eleições. Vamos fazer a reforma política e alterar esse cenário. A participação popular é um dos novos valores a serem considerados numa eleição.

    ResponderExcluir