Fiquei estarrecido com as declarações de Levy Fidelix sobre o medo de uma invasão militar do comunismo bolivariano ao Brasil e, mais ainda (muito mais) com o que ele falou sobre os homossexuais. Sim, é um anão irrelevante, um oportunista que só está na política para enriquecer administrando verbas que seu partido recebe. Mas o simples fato de qualquer pessoa pensar coisas assim é chocante. E, como a humanidade nunca acha o fundo do poço, ainda tivemos de ver pessoas apoiando o que ele disse. Alunos meus, de história, jovens de vinte e poucos anos, inclusive (felizmente uma minoria total, mas ainda assim...)
Fiquei pensando como a direita brasileira pôde ter chegado tão fundo nessa lama toda. Ser de direita não tem qualquer implicação nesse sentido, ao menos teoricamente. A ala histórica do PSDB jamais diria coisas assim. Acho impossível imaginar gente como Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas ou Franco Montoro dizendo barbaridades do tipo. Na verdade não me lembro de ninguém na cúpula do partido endossando esse tipo de pauta. Mas entre candidatos mais jovens isso já é verificável. E em outros segmentos da direita então, a coisa campeia livremente. Me pergunto: por que? Como chegamos nisso?
Vejo três motivos. Dois dos quais me parecem óbvios. O primeiro: vivemos num país em que grande parte da população vê o mundo dessa maneira. Ser gay é doença, qualquer pessoa que usa maconha é vagabundo e passa o dia drogado sem trabalhar nem ligar para a família, aborto é assassinato (mas se a filha engravidar de "vagabundo" são outros quinhentos), cotas são algo desnecessário, bastando melhorar a educação para resolver o problema, ao invés de inventar esse instrumento que nós levará a uma guerra racial, etc. Para uma oposição que nada tem a propor além de um estado mínimo (algo que a população não quer ouvir nem falar), é um bom gancho para tentar conquistar corações e mentes numa eleição em que parecem destinados à derrota.
Outro componente óbvio é o fator religioso. Nesse caso específico principalmente os evangélicos. Não que todos os evangélicos pensem essas coisas (nem sei se a maioria pensa) ou que outras religiões tenham necessariamente pensamentos mais progressistas. A questão é que os evangélicos tem duas armas muito poderosas, que os diferenciam de outras religiões: uma bancada muito forte que todos os candidatos temem desagradar e uma multidão que obedece seus pastores em todos os campos. Em suma, certos setores protestantes são mais bem organizados politicamente do que qualquer outro grupo religioso, o que os ajuda a fazer valer sua agenda medieval.
O terceiro elemento é especificamente político. Independente da opinião que se tenha sobre o atual governo, ele é aprovado pela maioria da população. O que deixou a oposição à direita absolutamente perdida. Só concordam em uma coisa: o estado mínimo, e não podem usar isso, já que o eleitorado não quer nem ouvir falar do assunto. Basta notar a absoluta miséria argumentativa das últimas duas candidaturas presidenciais tucanas. Não podem dizer seu real programa, já que isso os inviabilizaria eleitoralmente. Se oferecerem um Estado ativo na diminuição de diferenças, soaria forçado e se igualariam às candidaturas governistas. Não sobra muito o que fazer.
Para os setores mais lunáticos da direita, a solução apareceu na forma de lamentação do fardo do pobre homem branco hetero de classe média oprimido por um governo que rouba tudo deles, os impede de viver, falar e pensar como querem e dá o país de mão beijada para negros que usam as cotas para roubar vagas na universidade dos filhos deles, feministas raivosas que odeiam homens, homossexuais que dominam o mundo mas só sabem reclamar e estudantes da área de humanas que torram nossos impostos fumando maconha o dia todo na universidade. Um argumento completamente delirante e esdrúxulo, sem qualquer âncora no mundo real, mas que serviu como norte para muitos descontentes não só com o atual governo, mas com o fato de termos superado a idade média.
Nem todo o oposicionismo aderiu a essa loucura. Há os que agem como se o PT tivesse inventado a corrupção. Há os que ignoram absolutamente todos os números e pesquisas e insistem que o Brasil só piorou nesses 12 anos. Mas muitos entraram nessa linha de "crítica ao marxismo cultural". Pois esse é um ponto importante. Eles olham coisas como cotas, descriminalização das drogas e do aborto, que são temas discutidos ou já adotados nos países capitalistas desenvolvidos, e concluem, da forma mais esdrúxula possível, que essas coisas são passos para a implantação do comunismo no Brasil.
Daí o clima de terrorismo. Descriminaliza a maconha? Todas as pessoas vão ficar chapadas 24 horas por dia. Faz o mesmo com o aborto? Todas as pessoas serão obrigadas a abortar e a humanidade vai se extinguir. Faz lei contra a homofobia? Seremos obrigados a virar gays. Cotas nas universidades? Negros vão dominar esse país. Sim, pois essas pessoas pensam a partir do ponto de vista de que toda sociedade tem de ter privilegiados. Então quando os privilegios deles acabam, supõem automaticamente que o outro grupo passou a ser o privilegiado. Não conseguem vagamente imaginar um mundo sem privilégios. Para eles isso não faz sentido. A questão é apenas quem vai ser o privilegiado. E tem de ser eles, claro.
E eu digo isso porque me parece ser um ponto que muitos que estão do nosso lado genuinamente não compreenderam. Não conseguem entender como tanta gente se sente incomodada com o que outras pessoas fazem. Não percebem que nós estamos lutando por direitos iguais, mas essas pessoas entendem de forma completamente distinta. Nessas lutas a única coisa que eles conseguem enxergar é a perda de privilégios. Na cabeça deles um mundo sem privilégios é algo que sequer pode ser imaginado. Então se sentem atingidos quando subalternos conquistam direitos. Pois mesmo que isso não mexa em nada com a vida deles, sentem como se tivessem perdido algo.
Aproveitando uma expressão muito usada nas redes sociais recentemente: não fique aí achando que o problema dessas pessoas é quererem legislar sobre o cu alheio. Isso é muita ingenuidade. A questão real está bem mais embaixo: elas estão falando sobre distinção e privilégio. O cu é apenas um detalhe.
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
sábado, 20 de setembro de 2014
Direita: estamos esperando seus argumentos
Como provavelmente todos vocês sabem, Luciana Genro foi ao programa de Danilo Gentili. Lá o apresentador e seu coadjuvante, o músico Roger, colocaram em cena a pauta do socialismo. Tentanto argumentar que a ideologia da candidata foi responsável por milhões de mortes (válido, já que o capitalismo nunca matou ninguém). Genro argumentou que o que houve nos chamados regimes socialistas não era socialismo, e que não tinha nada a ver com o que Marx defendeu. Seus interlocutores responderam no dia seguinte no twitter com coisas como a que ilustra o post. Falta de educação e canalhismo, claro: quem recebe convidados e no dia seguinte os ofende publicamente? Mas não é só isso.
O problema é que isso reflete uma questão muito mais ampla: a total falta de argumentos da direita brasileira. Pois esse pessoal simplesmente se acostumou a debater em espaços em que todos pensam como eles. Blogs direitistas, fóruns nas redes sociais, e coisas assim. Espaços onde se repete à vontade ideias absurdas e desprovidas de qualquer senso lógico, como: nazismo e socialismo são a mesma coisa, quem é de esquerda não pode ter acesso a bens de consumo, o mundo é dominado por feministas de pernas cabeludas e gays autoritários, há censura de livros clássicos da nossa literatura nas nossas escolas, e assim por diante.
Nada disso tem a mais vaga sustentação na realidade. Há infinitos dados comprovando isso. Mas essas pessoas estão tão acostumadas a debater entre si, aos gritos, que estão absolutamente convencidas de que não há argumentos possíveis que possam ser usados contra essas "verdades". E vá você tentar explicar que Hitler, Stalin e Marx não eram iguais, que vivemos num mundo machista, racista e homofóbico, que nos anos 60 e 70 o Brasil não era dominado por uma ditadura totalitária de esquerda, que o PT não inventou a corrupção, que nordestinos não são um bando de retardados que venderam o voto ao governo por causa de esmolas e assim por diante.
E o que aconteceu na imagem que ilustra o post? Gentili e Roger propuseram um tema que esse pessoal ama "ah, socialismo é um lixo, todo mundo que é de esquerda adora Stalin, olha que burros". Genro propôs um debate diferente: "mas você acha que o stalinismo é mesmo baseado em Marx?". Gentili e Roger não souberam responder. Claro, formaram suas opiniões a partir desses debates com pessoas que pensam como eles e também nunca estudaram o assunto. Restou o silêncio e a agressão covarde depois, quando Genro estava bem longe. Aí é que está: não é só cafajestagem. É falta de argumentos também.
Essas pessoas são a prova definitiva de que a direita brasileira simplesmente perdeu a capacidade de debater. Quem conhece história sabe que, bem ou mal, gostando ou não, houve um tempo em que a direita brazuca tinha intelectuais sofisticados defendendo seus argumentos em termos absolutamente racionais. Também tinha políticos que, gostássemos ou não, estavam tentando conquistar os corações e mentes da classe trabalhadora, lutando ao lado deles.
Mas o que vemos hoje é evidentemente diferente. A ditadura desconfiava de quem pensasse. O que fez a direita desaprender a tentar fazer elaborações intelectuais que fizessem o mínimo de sentido. O neoliberalismo, com sua gigantesca desconfiança dos movimentos sociais, fez com que a direita esquecesse qualquer tentativa de interlocução com eles. Sem usar o cérebro e tendo ódio de quem vem de baixo, sobrou muito pouco à direita, além do apoio da mídia e dos empresários.
Numericamente muito inferior, coube a direita assumir o papel de minoria incompreendida. Quem vota contra ela, nessa perspectiva, são as feministas, os pobres, os nordestinos, os intelectuais, os sindicalistas, os gays, os negros. A direita resolveu assumir, de forma suicida, o papel de defensor dos privilegiados. Só brancos bem nascidos das regiões mais desenvolvidas votam nela, e são os únicos que sabem votar. Todos os outros são idiotas.
Como pensam isso, estão destinados a perder sempre. Restam os espaços exclusivíssimos em que podem despejar sua raiva contra o mundo cruel em que vivem. Em que dão vazão à ideia de que vivem num mundo em que são oprimidos. Em que podem mostrar todo o seu desprezo pela "corja" que na opinião deles domina o país. Até aí tudo parece lindo. Brabo é quando alguém aparece contrapondo argumentos racionais, definições conceituais minimamente rigorosas e números. Aí tudo o que eles pensam desmorona. Resta aumentar a raiva. Que é só o que eles têm.
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
De um (quase) ex-gremista: o caso Aranha
Sou gremista desde criança. Gostaria de dar motivos épicos, políticos ou históricos para isso, mas a verdade é que me apaixonei pelo clube da mesma forma que quase todo mundo escolhe time. Meu pai é gremista, e uma mistura de curiosidade infantil com o desejo de passar mais tempo com ele me fez ficar a seu lado vendo os jogos do time. Me apaixonei e pronto. É aquela coisa que todo mundo sabe como é: você até cria explicações racionais, mas na verdade você simplesmente ama o time e pronto. Acabou. Compromisso para o resto da vida.
O episódio do primeiro jogo contra o Santos não mexeu com minha paixão. Na minha cabeça era uma atitude absurda de um punhado de imbecis supremos que, nutridos pela certeza da impunidade, do silêncio da maioria e do espírito da turba, fizeram algo absurdo. Houve punição exemplar para o clube, que proibiu os que foram identificados de entrar novamente nas dependências, então para mim o saldo até que não tinha sido negativo. Uma vitória contra o racismo de alguns babacas.
Mas o que houve quinta-feira foi muito, mas muito pior. Li que o técnico do Santos perguntou se Aranha queria jogar, e ele disse que sim. Imaginava que seria aplaudido em desagravo pelo que passou. Mas foi exatamente o contrário. Foi vaiado do início ao fim. Amigos que estavam no estádio me disseram que todos os tipos de xingamento brotavam da multidão, que teve cuidado de evitar termos racistas, mas evidentemente o motivo era de cunho racial. Inclusive "alemão" e "branca de neve" foram termos atribuídos a ele nos cantos da torcida, como forma de atacar sem correr o risco de punição.
Aí a coisa ficou séria. Não foi coisa de algumas pessoas. Foram milhares. De forma orquestrada. Pra piorar ainda mais, se sentindo autorizadas a fazer aquilo pela direção e pelo treinador, que tiveram atitudes lamentáveis em relação ao assunto durante a semana (para não falar em jornalistas cretinos). E digo mais. Tudo isso mostra uma cultura de racismo naquele ambiente. Que jamais poderia ter se desenvolvido sem o beneplácito, ao menos implícito, das pessoas que comandaram o clube nesse tempo todo. Ou seja: não é uma questão de algumas pessoas, mas de uma instituição.
Não adianta dizer que tivemos ídolos históricos que eram negros, como Ortunho, Everaldo e Tarciso. Primeiro porque as torcidas racistas européias também aplaudem seus jogadores negros, apesar de xingarem os adversários em termos raciais. Segundo, porque isso é a mesmíssima coisa que ser racista e se defender dizendo "tenho amigos negros", como se isso fosse um álibi para ser racista à vontade. Como se a gente pudesse espancar a companheira mas dizer "imagina se sou machista, eu amo minha mãe".
Eu não quero torcer para esse time. Não quero fazer parte disso. Existe um amor gigante por um clube que é importante para mim desde 1979, quando descobri o futebol. Sei que o amor não funciona assim. Pessoas que a gente ama fazem coisas que a gente odeia e a gente continua amando elas assim mesmo. Mas isso é diferente. Uma coisa é a mulher que eu amo fazer algo que eu não goste. Outra coisa totalmente diferente é ela humilhar um negro por sua "raça" (?).
Nenhuma das más fases, derrotas humilhantes, direções incompetentes e times horríveis me fez ter a menor chance de deixar de amar esse clube. Torcedor ama na vitória e na derrota. Mas o que temos agora é outra coisa. Um clube que parece dominado por pessoas que acreditam que melanina na pele é defeito imperdoável. Disso eu não vou fazer parte. Me declaro ex-gremista. Ao menos temporariamente. Se as coisas mudarem, a gente conversa outra vez.
O episódio do primeiro jogo contra o Santos não mexeu com minha paixão. Na minha cabeça era uma atitude absurda de um punhado de imbecis supremos que, nutridos pela certeza da impunidade, do silêncio da maioria e do espírito da turba, fizeram algo absurdo. Houve punição exemplar para o clube, que proibiu os que foram identificados de entrar novamente nas dependências, então para mim o saldo até que não tinha sido negativo. Uma vitória contra o racismo de alguns babacas.
Mas o que houve quinta-feira foi muito, mas muito pior. Li que o técnico do Santos perguntou se Aranha queria jogar, e ele disse que sim. Imaginava que seria aplaudido em desagravo pelo que passou. Mas foi exatamente o contrário. Foi vaiado do início ao fim. Amigos que estavam no estádio me disseram que todos os tipos de xingamento brotavam da multidão, que teve cuidado de evitar termos racistas, mas evidentemente o motivo era de cunho racial. Inclusive "alemão" e "branca de neve" foram termos atribuídos a ele nos cantos da torcida, como forma de atacar sem correr o risco de punição.
Aí a coisa ficou séria. Não foi coisa de algumas pessoas. Foram milhares. De forma orquestrada. Pra piorar ainda mais, se sentindo autorizadas a fazer aquilo pela direção e pelo treinador, que tiveram atitudes lamentáveis em relação ao assunto durante a semana (para não falar em jornalistas cretinos). E digo mais. Tudo isso mostra uma cultura de racismo naquele ambiente. Que jamais poderia ter se desenvolvido sem o beneplácito, ao menos implícito, das pessoas que comandaram o clube nesse tempo todo. Ou seja: não é uma questão de algumas pessoas, mas de uma instituição.
Não adianta dizer que tivemos ídolos históricos que eram negros, como Ortunho, Everaldo e Tarciso. Primeiro porque as torcidas racistas européias também aplaudem seus jogadores negros, apesar de xingarem os adversários em termos raciais. Segundo, porque isso é a mesmíssima coisa que ser racista e se defender dizendo "tenho amigos negros", como se isso fosse um álibi para ser racista à vontade. Como se a gente pudesse espancar a companheira mas dizer "imagina se sou machista, eu amo minha mãe".
Eu não quero torcer para esse time. Não quero fazer parte disso. Existe um amor gigante por um clube que é importante para mim desde 1979, quando descobri o futebol. Sei que o amor não funciona assim. Pessoas que a gente ama fazem coisas que a gente odeia e a gente continua amando elas assim mesmo. Mas isso é diferente. Uma coisa é a mulher que eu amo fazer algo que eu não goste. Outra coisa totalmente diferente é ela humilhar um negro por sua "raça" (?).
Nenhuma das más fases, derrotas humilhantes, direções incompetentes e times horríveis me fez ter a menor chance de deixar de amar esse clube. Torcedor ama na vitória e na derrota. Mas o que temos agora é outra coisa. Um clube que parece dominado por pessoas que acreditam que melanina na pele é defeito imperdoável. Disso eu não vou fazer parte. Me declaro ex-gremista. Ao menos temporariamente. Se as coisas mudarem, a gente conversa outra vez.
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
Somos todos Aranha
Sou gremista. Fanático. Nasci em 1972 e me apaixonei por esse time em 1979. De uma forma absurdamente incondicional. Amo o Grêmio. Por isso mesmo acho que estou em situação confortável para dizer o que vai a seguir
O episódio envolvendo a garota que xingou o goleiro Aranha me parece ser o típico caso em que as coisas tem consequencias infinitamente maiores que o evento em si. Afinal, o que aconteceu ali foi simplesmente o seguinte: uma pessoa fazendo algo que muita gente faz e que talvez nem tenha sido ouvida pelo goleiro, já que havia um coro de pessoas cantando coisas bem mais alto. Ela só teve o azar de ser flagrada por uma câmera de TV. O que aconteceu foi isso. Mas o problema é que a situação é complexa, e levou a desdobramentos que transcendem em muito o fenômeno original.
A questão é que o país se viu frente a um dilema. Existe muita gente que não aguenta mais viver em um Brasil racista, machista, homofóbico e repleto de outros preconceitos. Que se sente absolutamente desconfortável de compartilhar o mesmo território que gente escrota, babaca, filho da puta, que exclui a maioria dos seus habitantes dos mais básicos direitos. Não é só uma coisa, como muitos querem fazer parecer, de gente patrulheira que quer interferir no jeito de pensar dos outros. É se sentir corroído por dentro ao ver que vivemos em um país em que direitos são negados à maioria da população.
Para gente assim, o episódio do xingamento ao Aranha foi muito mais que o xingamento em si. Foi o momento de dar um basta. De berrar nossa indignação. O absurdo xingamento a uma pessoa pela cor da pele, algo que nunca deveria existir, foi muito mais que o xingamento. Foi o momento em que sentimos que não dava mais. Se há algum sentido em ver a guria como vitima, é esse: através daquela cena de TV vimos tudo o que odiamos em nosso país. Pessoas bem nascidas, bem nutridas, que nunca passaram dificuldades, bem branquinhas, loiras e felizes, humilhando quem veio de baixo, quem tem pele escura, quem tem outra orientação, quem de alguma forma qualquer não faz parte do seu mundo. Não aguentamos mais isso. Chega.
Claro que muitos viram outras coisas nessa história. Para eles, a guria é a vítima da situação. Se acostumaram a adorar esse país hierarquizado em que vivemos. Foram treinados para minimizar o sofrimento alheio. Acham "chatice politicamente correta" não poderem ser racistas, machistas, homofóbicos, preconceituosos, não poderem desmerecer quem não nasceu em berço de ouro. Para essas pessoas, que estão satisfeitas com tudo o que a maioria oprimida deste país tem de enfrentar, Aranha foi apenas um caso chato em que alguém levou a sério demais algo corriqueiro. Para eles, a torcedora é uma vítima.
E para fazer tudo ficar pior para eles, Aranha teve uma atitude monstruosa. Não engoliu nada. Se indignou. Reclamou. Se recusou a fazer as pazes com a torcedora. Para quem acha que está tudo bem neste país, ele é um intolerante. Afinal, não reconheceu seu papel subalterno e expôs cruamente o que se quer esconder. Para nós, que odiamos preconceitos, que queremos que todos os subalternos tenham os direitos que lhe são negados, ele foi perfeito. Para nós, Aranha fez exatamente o que devia fazer. Mostrou um Brasil excludente. Por seu lado, para os que gostam do que cenário atual, a vítima da situação é a torcedora.
O episódio envolvendo a garota que xingou o goleiro Aranha me parece ser o típico caso em que as coisas tem consequencias infinitamente maiores que o evento em si. Afinal, o que aconteceu ali foi simplesmente o seguinte: uma pessoa fazendo algo que muita gente faz e que talvez nem tenha sido ouvida pelo goleiro, já que havia um coro de pessoas cantando coisas bem mais alto. Ela só teve o azar de ser flagrada por uma câmera de TV. O que aconteceu foi isso. Mas o problema é que a situação é complexa, e levou a desdobramentos que transcendem em muito o fenômeno original.
A questão é que o país se viu frente a um dilema. Existe muita gente que não aguenta mais viver em um Brasil racista, machista, homofóbico e repleto de outros preconceitos. Que se sente absolutamente desconfortável de compartilhar o mesmo território que gente escrota, babaca, filho da puta, que exclui a maioria dos seus habitantes dos mais básicos direitos. Não é só uma coisa, como muitos querem fazer parecer, de gente patrulheira que quer interferir no jeito de pensar dos outros. É se sentir corroído por dentro ao ver que vivemos em um país em que direitos são negados à maioria da população.
Para gente assim, o episódio do xingamento ao Aranha foi muito mais que o xingamento em si. Foi o momento de dar um basta. De berrar nossa indignação. O absurdo xingamento a uma pessoa pela cor da pele, algo que nunca deveria existir, foi muito mais que o xingamento. Foi o momento em que sentimos que não dava mais. Se há algum sentido em ver a guria como vitima, é esse: através daquela cena de TV vimos tudo o que odiamos em nosso país. Pessoas bem nascidas, bem nutridas, que nunca passaram dificuldades, bem branquinhas, loiras e felizes, humilhando quem veio de baixo, quem tem pele escura, quem tem outra orientação, quem de alguma forma qualquer não faz parte do seu mundo. Não aguentamos mais isso. Chega.
Claro que muitos viram outras coisas nessa história. Para eles, a guria é a vítima da situação. Se acostumaram a adorar esse país hierarquizado em que vivemos. Foram treinados para minimizar o sofrimento alheio. Acham "chatice politicamente correta" não poderem ser racistas, machistas, homofóbicos, preconceituosos, não poderem desmerecer quem não nasceu em berço de ouro. Para essas pessoas, que estão satisfeitas com tudo o que a maioria oprimida deste país tem de enfrentar, Aranha foi apenas um caso chato em que alguém levou a sério demais algo corriqueiro. Para eles, a torcedora é uma vítima.
E para fazer tudo ficar pior para eles, Aranha teve uma atitude monstruosa. Não engoliu nada. Se indignou. Reclamou. Se recusou a fazer as pazes com a torcedora. Para quem acha que está tudo bem neste país, ele é um intolerante. Afinal, não reconheceu seu papel subalterno e expôs cruamente o que se quer esconder. Para nós, que odiamos preconceitos, que queremos que todos os subalternos tenham os direitos que lhe são negados, ele foi perfeito. Para nós, Aranha fez exatamente o que devia fazer. Mostrou um Brasil excludente. Por seu lado, para os que gostam do que cenário atual, a vítima da situação é a torcedora.
sábado, 6 de setembro de 2014
O que o PT não fez
Ontem meu irmão me contava que em uma conversa escutou que a punição ao Grêmio pelos insultos dos torcedores racistas era culpa do PT. Segundo o interlocutor dele, há 15 anos isso jamais aconteceria. Bem, nem precisamos ir à fundo na explicação do que estava sendo dito, que era "saudades de quando podíamos ser racistas à vontade sem ninguém encher o saco". Algo que evidentemente não tem nada a ver com o PT, até porque o PSDB está longe de ser um partido que defende o racismo, muito pelo contrário. Mas dá o que pensar sobre outras coisas.
Votarei em Dilma com toda a força do meu coração. Acho que o PT fez em 12 anos algo que nunca havia sido feito neste país. Os ganhos me parecem gigantes e irreversíveis. Mas tampouco deixo de ter críticas. A condução da economia nos últimos 3 anos não foi boa. Interesses historicamente estabelecidos não foram contrariados. E no nível político-ideológico é um governo desastroso: basta ver que o Brasil, após 12 anos de PT no governo, é tão conservador quanto em 2002. Mas como nada disso teria sido diferente sob governos de outros partidos, eu me aborreço mas isso não me faz pensar em mudar meu voto.
Mas nisso tudo a gente acaba pensando nos argumentos da oposição eleitoramente viável. Que basicamente são três: 1)A economia está um desastre, o desemprego é gigante, a inflação é alta, os juros estão fora de controle. 2) A corrupção está acima do tolerável. 3) O país ficou uma bagunça sob o PT, alguém tem de dar um jeito nisso.
Os dois primeiros são racionalmente insustentáveis dentro de qualquer parâmetro. No governo tucano a inflação era mais alta, os juros eram muitíssimos mais altos e o desemprego era muito maior. O PSDB não fez o país crescer. Não precisa ser especialista em economia para saber disso, basta ter estado vivo nos anos 1990. Sustentar esses argumentos é um despropósito total. Ainda mais vindo de gente que não tem nenhuma ideia de como fazer melhor que o que temos aí. A parte da corrupção é mesmo lamentável e não pode ser diminuída. Mas não vejo sentido algum em deixar de votar no PT por isso para votar em quem fez as mesmas coisas ou ainda pior.
Sobra o terceiro argumento. A ideia de que o Brasil está uma bagunça, feministas peludas e raivosas mandam no mundo, tudo é a favor dos negros, os gays estão por cima fazendo o que querem, empregadas domésticas sambam na cara das patroas e por aí vai. Esse argumento sim, merece ser levado muito a sério. Não por ter qualquer amparo no mundo real. Não tem. Basta olhar as estatísticas. Homens ganham mais que mulheres, brancos ganham mais que negros e gays continuam sendo assassinados pela sua orientação. A questão não é essa.
O ponto é outro. Esse ódio insano ao PT pelo que o governo nunca fez mostra algo importante. A sensação de uma classe que sempre foi privilegiada, que sempre teve tudo, que sempre teve o Estado existindo unicamente para ela, subitamente vendo esse Estado atendendo outros tipos de pessoas. Não que elas tenham perdido algo: no governo do PT bancos bateram recordes de lucratividade, os empresários encheram o bolso muito mais que no governo FHC, e a classe média deixou de passar as férias na região dos lagos e foi para a Europa. Mas para eles não basta a vida ficar boa. É importante também que quem é pobre, quem é subalterno, nunca tenha NADA. Então para essa gente não é legal ir para Paris se o porteiro do prédio também for. Para eles isso é insuportável, intolerável
Não importa o que eles têm. O que importa é terem mais que os pobres. Ostentar sinais de distinção. Não foi a toa que vimos o crescimento assombroso de fenômenos tipo restaurantes que cobram 80 reais por um filé de peixe com batatas. Ou de médicos raivosos porque estrangeiros vieram ocupar postos que eles não queriam. Há vários motivos para isso, mas um deles é a necessidade de ostentação, de mostrar superioridade, de um bando de gente que está obesa de tanto dinheiro mas não suporta que os de baixo tenham melhorado um tiquinho que seja. Para eles, só faz sentido viver num mundo em que o Estado garanta a submissão eterna dessa gente. Quando não é assim, espumam de raiva.
O PT não é perfeito. Seus 12 anos de governo estão muitíssimo longe disso. Na verdade ajudaram a manter gravíssimos problemas do país. O problema é ter uma oposição que não odeia o governo pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades.
Votarei em Dilma com toda a força do meu coração. Acho que o PT fez em 12 anos algo que nunca havia sido feito neste país. Os ganhos me parecem gigantes e irreversíveis. Mas tampouco deixo de ter críticas. A condução da economia nos últimos 3 anos não foi boa. Interesses historicamente estabelecidos não foram contrariados. E no nível político-ideológico é um governo desastroso: basta ver que o Brasil, após 12 anos de PT no governo, é tão conservador quanto em 2002. Mas como nada disso teria sido diferente sob governos de outros partidos, eu me aborreço mas isso não me faz pensar em mudar meu voto.
Mas nisso tudo a gente acaba pensando nos argumentos da oposição eleitoramente viável. Que basicamente são três: 1)A economia está um desastre, o desemprego é gigante, a inflação é alta, os juros estão fora de controle. 2) A corrupção está acima do tolerável. 3) O país ficou uma bagunça sob o PT, alguém tem de dar um jeito nisso.
Os dois primeiros são racionalmente insustentáveis dentro de qualquer parâmetro. No governo tucano a inflação era mais alta, os juros eram muitíssimos mais altos e o desemprego era muito maior. O PSDB não fez o país crescer. Não precisa ser especialista em economia para saber disso, basta ter estado vivo nos anos 1990. Sustentar esses argumentos é um despropósito total. Ainda mais vindo de gente que não tem nenhuma ideia de como fazer melhor que o que temos aí. A parte da corrupção é mesmo lamentável e não pode ser diminuída. Mas não vejo sentido algum em deixar de votar no PT por isso para votar em quem fez as mesmas coisas ou ainda pior.
Sobra o terceiro argumento. A ideia de que o Brasil está uma bagunça, feministas peludas e raivosas mandam no mundo, tudo é a favor dos negros, os gays estão por cima fazendo o que querem, empregadas domésticas sambam na cara das patroas e por aí vai. Esse argumento sim, merece ser levado muito a sério. Não por ter qualquer amparo no mundo real. Não tem. Basta olhar as estatísticas. Homens ganham mais que mulheres, brancos ganham mais que negros e gays continuam sendo assassinados pela sua orientação. A questão não é essa.
O ponto é outro. Esse ódio insano ao PT pelo que o governo nunca fez mostra algo importante. A sensação de uma classe que sempre foi privilegiada, que sempre teve tudo, que sempre teve o Estado existindo unicamente para ela, subitamente vendo esse Estado atendendo outros tipos de pessoas. Não que elas tenham perdido algo: no governo do PT bancos bateram recordes de lucratividade, os empresários encheram o bolso muito mais que no governo FHC, e a classe média deixou de passar as férias na região dos lagos e foi para a Europa. Mas para eles não basta a vida ficar boa. É importante também que quem é pobre, quem é subalterno, nunca tenha NADA. Então para essa gente não é legal ir para Paris se o porteiro do prédio também for. Para eles isso é insuportável, intolerável
Não importa o que eles têm. O que importa é terem mais que os pobres. Ostentar sinais de distinção. Não foi a toa que vimos o crescimento assombroso de fenômenos tipo restaurantes que cobram 80 reais por um filé de peixe com batatas. Ou de médicos raivosos porque estrangeiros vieram ocupar postos que eles não queriam. Há vários motivos para isso, mas um deles é a necessidade de ostentação, de mostrar superioridade, de um bando de gente que está obesa de tanto dinheiro mas não suporta que os de baixo tenham melhorado um tiquinho que seja. Para eles, só faz sentido viver num mundo em que o Estado garanta a submissão eterna dessa gente. Quando não é assim, espumam de raiva.
O PT não é perfeito. Seus 12 anos de governo estão muitíssimo longe disso. Na verdade ajudaram a manter gravíssimos problemas do país. O problema é ter uma oposição que não odeia o governo pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades.
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
O que o debate do SBT nos disse sobre as eleições
Uma questão que está posta há algum tempo é: ainda faz sentido ver os debates dos candidatos à presidência? Afinal, com regras tão rígidas e os candidatos tão guiados por marqueteiros e mais preocupados em gerar boas cenas para o horário eleitoral do que em debater de verdade fica parecendo mesmo que não faz sentido. Mas faz, e muito.
Vi hoje o debate de SBT e tirei duas lições muito importantes sobre o processo eleitoral que vivemos. O primeiro é que Aécio Neves no momento é carta fora do baralho. Ficou muito evidente que foi tratado assim. Os candidatos e os jornalistas que participaram trataram Dilma e Marina como os postulantes reais. Aécio tentou polemizar, mas ficou claro que ele é o mais importante dos candidatos pequenos, nada mais que isso. Pode mudar, claro. Mas a realidade de hoje é essa. E com sua inexplicável estratégia de ver em Dilma a principal inimiga enquanto Marina fica com todos os votos que ele pretendia ter, isso parece cada vez menos provável.
Mas o mais importante que vi é que hoje, neste momento, Marina tem tudo a seu favor. Ela se beneficia de um tipo de voto muito particular. É o eleitor que tem uma visão muito vagamente politizada da vida, está cansado do conflito PT x PSDB, que acha que no fundo ambos são iguais e que é preciso mudar. Esse eleitor se identifica com Marina Silva. Por não acompanhar o dia a dia da política, esse eleitor não está interessado em saber das contradições programáticas dela, não entende de economia, acha o debate "meritocracia x políticas sociais" absolutamente inoperante. Esse eleitor quer mudança em relação "a tudo o que está aí".
E para esse eleitor Dilma e Aécio nada tem o que dizer. Ambos se mantém claramente dentro da polarização entre seus partidos, que domina a política nacional há 20 anos. Não conseguem se dar conta de que para esse contingente de eleitores esses argumentos não servem para nada. Seguem argumentando a mesma coisa. Aécio mantém a toada tucana desde 2002: uma ideia geral neoliberal misturada com promessas de manutenção das políticas sociais petistas. E convenhamos: é um candidato muito fraco. O mais irrelevante, sem discurso nem ideias que o PSDB já apresentou ao eleitorado brasileiro. O que também ajuda Marina, que surfa entre um outro eleitorado, que espera um candidato antipetista mas não se identifica com Aécio.
Mas Dilma tampouco está melhor. Tentou cercar Marina com o tema da governabilidade. Concordo com a crítica ao voluntarismo de Marina, que tenta convencer seus eleitores de que basta querer mudar que isso vai acontecer. Mas a grande questão é: como o possível eleitorado de Marina entende isso? Me pareceu que viu alguém "que compactua com tudo o que está aí" tentando desmoralizar alguém que "quer fazer algo diferente". O que mostra que o discurso não foi bem calibrado. É um discurso que cai bem para um certo tipo de público, e que me parece correto, mas nem sequer arranha o que as pessoas que estão dispostas a votar em Marina querem ouvir.
No fim o que fica é o seguinte. As manifestações do ano passado mostraram claramente a existência de um grande número de pessoas que estão cansadas do cenário político atual. Certas ou erradas, é o que elas pensam. E esse é o eleitorado de Marina Silva. Não são pessoas que lêem programas de governo, que sigam o dia a dia da política, que tenham ideologia. Elas só estão cansadas. O que é um sentimento genuíno e que se pode entender, ainda que não seja o meu. E Dilma e Aécio nada têm a dizer a essas pessoas. Entorpecidas pelos 20 anos de polêmica, não conseguem entender o que está acontecendo. E ainda ficam brigando entre si nos debates enquanto Marina surfa.
Política é o universo do tempo curto, em que as coisas mudam rapidamente, já nos ensinou o grande historiador Fernand Braudel. Tudo pode mudar amanhã. Mas hoje o cenário é: tudo está a favor de Marina.
Vi hoje o debate de SBT e tirei duas lições muito importantes sobre o processo eleitoral que vivemos. O primeiro é que Aécio Neves no momento é carta fora do baralho. Ficou muito evidente que foi tratado assim. Os candidatos e os jornalistas que participaram trataram Dilma e Marina como os postulantes reais. Aécio tentou polemizar, mas ficou claro que ele é o mais importante dos candidatos pequenos, nada mais que isso. Pode mudar, claro. Mas a realidade de hoje é essa. E com sua inexplicável estratégia de ver em Dilma a principal inimiga enquanto Marina fica com todos os votos que ele pretendia ter, isso parece cada vez menos provável.
Mas o mais importante que vi é que hoje, neste momento, Marina tem tudo a seu favor. Ela se beneficia de um tipo de voto muito particular. É o eleitor que tem uma visão muito vagamente politizada da vida, está cansado do conflito PT x PSDB, que acha que no fundo ambos são iguais e que é preciso mudar. Esse eleitor se identifica com Marina Silva. Por não acompanhar o dia a dia da política, esse eleitor não está interessado em saber das contradições programáticas dela, não entende de economia, acha o debate "meritocracia x políticas sociais" absolutamente inoperante. Esse eleitor quer mudança em relação "a tudo o que está aí".
E para esse eleitor Dilma e Aécio nada tem o que dizer. Ambos se mantém claramente dentro da polarização entre seus partidos, que domina a política nacional há 20 anos. Não conseguem se dar conta de que para esse contingente de eleitores esses argumentos não servem para nada. Seguem argumentando a mesma coisa. Aécio mantém a toada tucana desde 2002: uma ideia geral neoliberal misturada com promessas de manutenção das políticas sociais petistas. E convenhamos: é um candidato muito fraco. O mais irrelevante, sem discurso nem ideias que o PSDB já apresentou ao eleitorado brasileiro. O que também ajuda Marina, que surfa entre um outro eleitorado, que espera um candidato antipetista mas não se identifica com Aécio.
Mas Dilma tampouco está melhor. Tentou cercar Marina com o tema da governabilidade. Concordo com a crítica ao voluntarismo de Marina, que tenta convencer seus eleitores de que basta querer mudar que isso vai acontecer. Mas a grande questão é: como o possível eleitorado de Marina entende isso? Me pareceu que viu alguém "que compactua com tudo o que está aí" tentando desmoralizar alguém que "quer fazer algo diferente". O que mostra que o discurso não foi bem calibrado. É um discurso que cai bem para um certo tipo de público, e que me parece correto, mas nem sequer arranha o que as pessoas que estão dispostas a votar em Marina querem ouvir.
No fim o que fica é o seguinte. As manifestações do ano passado mostraram claramente a existência de um grande número de pessoas que estão cansadas do cenário político atual. Certas ou erradas, é o que elas pensam. E esse é o eleitorado de Marina Silva. Não são pessoas que lêem programas de governo, que sigam o dia a dia da política, que tenham ideologia. Elas só estão cansadas. O que é um sentimento genuíno e que se pode entender, ainda que não seja o meu. E Dilma e Aécio nada têm a dizer a essas pessoas. Entorpecidas pelos 20 anos de polêmica, não conseguem entender o que está acontecendo. E ainda ficam brigando entre si nos debates enquanto Marina surfa.
Política é o universo do tempo curto, em que as coisas mudam rapidamente, já nos ensinou o grande historiador Fernand Braudel. Tudo pode mudar amanhã. Mas hoje o cenário é: tudo está a favor de Marina.
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