segunda-feira, 3 de março de 2014

Agora é a Ucrânia


A bola da vez é a Ucrânia. Depois de a Venezuela passar um tempo no centro das atenções de todo mundo, despertando opiniões definitivas e absolutamente radicalizadas da parte de um bando de gente que não sabe nada sobre o assunto (inclusive eu), agora a bola está com os ucranianos. E se a gente não sabe grande coisa sobre a Venezuela, imagine a Ucrânia. Mas as opiniões definitivas seguem aí: na TV, nos jornais, nos blogs, no facebook...

Pelo que vejo, a opinião predominante é favorável à derrubada do governo. O que em si já é tristemente surpreendente. Mostra o quanto a democracia não é levada muito a sério pela humanidade. Por que diabos tanta gente comemora a derrubada de um governo de um país distante e desconhecido, com língua inacessível e sobre o qual se sabe tão pouco? Só isso já me cheira mal. Mas enfim, vamos tentar pensar com alguma lógica, já que não temos muitas informações.

Pra começar, é notório que a figura detestável de Vladimir Putin funciona como um grande espantalho nos argumentos favoráveis à derrubada do governo. Não conhecemos o governo anterior, mas ele era apoiado por Putin. Que é um cretino. Logo, o governo deve ser uma droga. Melhor comemorar a vitória de um movimento com apoio norte-americano e europeu, pois são governos democráticos. Mas será que é assim que funciona?

LÓGICO que não. Em 1964 um governo democraticamente eleito no Brasil foi derrubado para ser substituído por uma tenebrosa ditadura. Com apoio dos EUA, um país democrático, e contra os desejos da URSS, uma ditadura. O mesmo aconteceu no Chile em 1973. A contradição só existe para quem acha que países formulam políticas externas a partir de boas intenções. Cada um apóia o que vai lhe favorecer. Imagino que pouco importa a Putin que diabos seja o governo ucraniano, desde que atenda a seus interesses. O mesmo valendo para Obama e a União Européia.

A lógica do espantalho fica definitivamente comprometida quando nos lembramos de algo absolutamente óbvio. Putin não era o governante da Ucrânia. Quem governava o país era um sujeito sobre o qual nada sabemos, e tenho certeza que nem o nome dele você sabe (eu não sei). Quem governa agora não é Obama nem Merkel, mas outro sujeito sobre o qual nem eu nem você sabemos nada (não menos importante: você acha mesmo que Obama e Merkel são "selos de qualidade"?). De novo vale lembrar: em 1964 o Brasil não saiu das mãos de Kruschev para as de Lyndon Johnson, mas de um presidente constitucional para um ditador.

Nisso tudo entra mais um componente muito estranho. A ideia de que Putin é o único agindo em interesse próprio na história. Ora, claro que ele está agindo no interesse russo e que se dane pra ele como ficarão os ucranianos. Mas sério, amigos: vocês acham MESMO que EUA e UE estão envolvidos nisso por motivos diferentes dos dele? Que Merkel e Obama se importam minimamente com a Ucrania? Claro que eles estão no mesmo jogo de Putin. Defendendo o que acreditam ser seus interesses.

E há um ponto a mais, que chega a ser surreal: os resquícios de guerra fria envolvidos na situação. Afinal, EUA e Russia estão de lados opostos novamente. Aí é como se um piloto automático fosse acionado, e a direita entrasse um clima "1964 forever", e apoiasse algo que mal sabe o que é só pra impedir que os russos (aqueles traiçoeiros que comem criancinhas) botassem as mãos no tesouro.

Não sabemos nada sobre a Ucrânia, é um país distante, com língua que ninguém que conheço saiba falar, com uma história peculiar, cenário político bastante complexo, divisões étnicas e linguísticas evidentes. Não dá pra ficar formando opiniões definitivas sobre o assunto a partir de algum "oráculo" que dá entrevistas como "especialista" no assunto mas que pode estar a serviço de interesses que desconhecemos. Não dá pra entrar num clima de Fla-Flu num cenário tão multifacetado a partir de tão poucas informações.

Quem quiser arriscar fique a vontade. Mas saiba que pode se dar conta que ficou superfeliz por comemorar um golpe de estado que colocou fascistas no poder. Ou que defende um governo de tons autoritários. Os riscos são muitos para quem entende, ainda mais para nós, que não somos do ramo. Melhor observar atentamente, ter cautela e resistir às certezas.

2 comentários:

  1. Alguns comentários sobre o texto. Alguém que você conhece fala sim a principal língua que se fala na Ucrânia: o russo. Advinha quem? Bem, concordo sobre a cretinice de Putin, mas isto já é previsto, pois ele representa um mundo que aos olhos do Ocidente também é cretino: a Rússia. Ou seja, ele já tem na testa o símbolo do teórico mal que representa. Sabemos disso, assim como sabemos que o fascistóide Obama, o cara mais à direita do que o Partido Republicano e mais ultra do que os dois Bush´s - o que não é pouco- é o grande salvador da pátria, como sempre. Portanto, a Rússia tá na dela, assim como o Putin; se isto é bom ou ruim, a questão é que estão na deles. Ucrânia é vital às pretensões do Ocidente de controlar a Rússia, colocando soldados da OTAN às portas da nação de Lenin. E o pior, no local que coloca em perigo a proposta militar e geo-militar do Kremin de controlar os terroristas do Cáucaso Norte. Por outro lado, a "Pequena Rússia" tbérm é importante para a Rússia, pois além da influência econômica e cultural que representa é tbém um escudo conta as mal-intenções do Ocidente. Bem a invasão já ocorreu e agora? Provavelmente não vai acontecer nada, a despeito de todas as retaliações anunciadas à Russia. Quando o Kremlin invadiu a Ossítia do Sul e Abcásia para "proteger" as populações destes conclaves do exército da Geórgia, as ameaças foram as mesmas. E nada aconteceu. Melhor para a Ucrânia, pois perde a Crimeia, mas não perde toda a parte do país em que mais da metade da população apoiava o antigo governo deposto por um golpe "verde" de estado. E essa gente odeia o Ocidente. E se a Rússia fica só com a Crimeia (28 mil km2) simlpesmente ela recupera um territória que já era do país e que fora cedido pelo otário do Brejnev à Ucrânia para celebrar a amizade entre as duas principais repúblicas da URSS). Quanto aos ucranianos que não entendem que fizeram um favorzinho para os EUA ao deporem o antigo governo, ele entenderão agora que as promessas da UE e dos EUA não se cumprirão. O governo interino já mandou a conta para os primeiros reparos: 48 bilhões de dólares. Quero ver se essa grana vai chegar. Mas, tudo isso à parte, seu texto é ótimo, amigo, muito crítico, como sempre, e irônico na medida certa. Abraços.

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  2. Baita texto do mestre Tiago, e baita comentário do mestre Joza, abraços pra ambos!

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