terça-feira, 26 de maio de 2015

Somos todos Eduardo Cunha

Ontem o Presidente da Câmara levou na testa duas grandes derrotas. Não foram aprovadas as emendas do distritão e do financiamento empresarial de campanhas, dois monstrengos que tornariam ainda pior o que já é muito ruim, o sistema de escolha de parlamentares no Brasil. Uma grande vitória concreta, e maior ainda no plano simbólico. Eduardo Cunha talvez tenha entendido que não é um super homem que tem o poder de aprovar qualquer pacote de maldades que queira. Vamos comemorar, que é justo. Mas vale uma reflexão: como chegamos a isso?

Eduardo Cunha representa tudo o que há de pior no Brasil. E tem super poderes. Por que? Vamos pensar: ele é deputado federal, eleito pelo Rio de Janeiro. Não sei quantos votos ele teve, mas certamente foram muitos, pois trata-se de um dos estados com maior colégio eleitoral no país. Uma vez deputado, se elegeu presidente da Câmara. E consegue aprovar insanidades como a redução da maioridade penal. Ou seja: há centenas de pessoas eleitas pela população que o vêem como alguém desejável ou ao menos útil. Então vamos combinar: ele não é uma coisa isolada. Tem a ver com o país que temos.

Pra começar, tem a ver com uma mega crise de representatividade que vivemos. Esse foi o grande legado das manifestações de 2013. Gostemos ou não, elas mostraram que há uma enorme quantidade de pessoas que não se sente representada por PT e PSDB, que monopolizam as eleições presidenciais desde 1994. E muitas das pessoas que votaram, por motivos variados, em candidatos presidenciais desses partidos, são bem mais conservadoras que eles. Basta ver o gigantesco apoio da população à redução da maioridade penal, uma medida criminosa, contrária a todos os estudos a respeito e que não tem qualquer eficácia no combate à criminalidade. Trata-se apenas de uma demonstração de ódio e vontade de vingança. E é apoiada pela grande maioria da população.

Também tem a ver com uma completa ausência de projeto da oposição à direita. Ela não tem idéias, conceitos ou teses. Só sabe que é contra o PT. Apóia qualquer coisa que for contra o governo. Pessoas que nunca tinham visto médico na vida sendo atendidas? Horrível, já que foi o PT que fez. Redução drástica na fome e na pobreza extrema? Odeio isso, já que foi o PT que fez. Eduardo Cunha é contra o PT? Manda. Qualquer coisa contra o PT serve. Que seja contra o país, dane-se, sendo contra o PT está valendo. Se na próxima eleição o segundo turno for alguém do PT contra alguém que defenda o estupro de crianças bora violar os pequenos, pois tudo vale se for contra o PT.

Mas o PT tampouco está isento de culpa. O partido tem a presidente da república e maioria parlamentar. Mas está completamente perdido e entregue aos seus aliados vampiros. Lula e FHC também lidaram com o mesmo problema (os aliados eram os mesmos, aliás), mas com suas imensas habilidades políticas e popularidade em alta conseguiram sobreviver. Não é o caso de Dilma, que não tem tino político e, em um momento de crise, se viu em um papel de quem deveria entregar a vida a aliados não confiáveis. O que abriu espaço para as manobras peemedebistas. Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Michel Temer e seus amigos estão fazendo a festa.

Então concluimos que o contexto político favoreceu o fortalecimento de um imbecil desses. Mas a culpa é só dos políticos? Nós não temos nada a ver com isso?

Esse é o ponto em que eu queria chegar. E vou partir do meu caso pessoal. Passei 4 anos defendendo insanamente o governo Dilma. Fiz campanha para ela de forma insana ano passado. Participei ativamente da campanha e organizei evento de apoio a ela. Me surpreende que eu ainda tenha amigos tucanos, aos quais eu aproveito para agradecer pela imensa paciência comigo. Só um amigo de verdade me aguentaria o tempo todo defendendo algo radicalmente oposto ao que eles acreditam. Em suma, sou governista, amo a Dilma. Mas e quanto aos deputados?

Aí que a porca torce o rabo. Vou confessar a vocês. A uma semana do primeiro turno me dei conta de que não tinha ideia de quem eu ia votar pra deputado federal e estadual. Pedi indicações a pessoas confiáveis, verifiquei o histórico de algumas pessoas, os posicionamentos, e fiz minhas escolhas. Votei em Luciana Santos para deputada federal e Tereza Leitão para estadual. Acho que votei bem, e pelo que tenho acompanhado ambas andam se comportando de forma que eu aprovo nas votações importantes. Mas o fato é: só fui pensar no assunto a dias da eleição. E não me julgue: você sabe muito bem que a maioria faz ainda pior que isso. Vota no vizinho gente boa, em alguém que um amigo indica, etc.

E notem que isso não quer dizer que somos um povo inconsciente e alienado. Nos engajamos barbaramente na última eleição presidencial. Todo mundo se posicionou, relações foram desfeitas, outras foram fortalecidas, enfim, fomos com tudo para a eleição. Mas a de presidente. Isso sim diz muito sobre nós. O velho personalismo que é parte central da política latino-americana se fez presente outra vez. Somos meio messiânicos: achamos que um presidente vai resolver todos os problemas ou estragar tudo. Achamos que tudo de bom e de ruim que existe no país é por causa da Dilma. Passagem de ônibus em Recife é barata. Parabéns Dilma. Os ônibus vivem lotados. Porra, Dilma. Que não tem nada a ver com nenhuma das coisas. Mas é assim que pensamos. Somos sebastianistas. Esperamos o comandante que nos redimirá de todos os pecados (tem um componente católico aí, mas deixemos isso para outra hora).

O fato é: somos personalistas e achamos que a presidencia da república é quem vai resolver tudo. Nisso, nem lembramos em quem votamos para o congresso, e não temos a mais vaga ideia do que os congressistas ficam fazendo. Isso explica muita coisa no nosso país. O fato de os congressistas legislarem para os que financiam suas campanhas e não para seus eleitores. As leis esdrúxulas que são aprovadas sem que a gente sequer fique sabendo. E a existência do Eduardo Cunha. Ela tem a ver com nosso sistema político sim. Mas também se deve em grande medida à maneira pela qual vemos a política, sempre vendo apenas o papel do executivo, enquanto deixamos legislativo e judiciário livres para fazerem o que quiserem. Queiramos nós ou não, a verdade é que Eduardo Cunha nos representa.

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