Antes da copa tivemos um festival de viralatismo. Tanto da parte da direita quanto de uma imprensa esportiva mais questionadora. Todos apostando com toda a força num fracasso retumbante da copa do mundo. Os estádios não ficariam prontos e seriam todos horrorosos, protestos atrapalhariam a logística da competição, o calor faria os europeus se dissolverem, haveria caos aéreo, e por aí vai. Normal: a direita brasileira aprendeu de sua irmã norte-americana a apostar no isolacionismo. Mal faz ideia do que acontece fora do país. Mas morre de medo da avaliação estrangeiro-primeiromundista sobre o Brasil, já que morrem de vergonha de serem brasileiros. Se borram de medo de que algum "vexame" vá fazer com que na próxima visita a Miami sejam vistos como parte de um "povo inferior".
A copa veio e deu certo. Aí foi a hora do viralatismo mudar de lado. O governismo que botou as mangas de fora nesse quesito. Dia após dia víamos alemães dançando com pataxós, holandeses curtindo praia, norte-americanos caindo no forró, tudo isso mostrando como a copa estava sendo ótima e o Brasil era maravilhoso. O argumento era diferente da direita, mas o viralatismo era o mesmo: se a direita esperava que brancos que vivem no hemisfério norte se aterrorizassem com nosso atraso, agora era a hora de mostrar brancos que vivem no hemisfério norte adorando o país. A lógica é a mesma: brancos do hemisfério norte são o melhor argumento para provar o que pensamos sobre o Brasil.
Pouca gente ficou sabendo que a filha de um dos mais importantes jornalistas esportivos argentinos morreu durante a copa num acidente de carro nas imediações de Belo Horizonte. Tampouco teve destaque a morte de "Topo" López, importantíssimo jornalista esportivo argentino, num acidente de carro em São Paulo, em que o taxi em que estava foi violentamente abatido por um carro roubado que fugia da polícia. Argentina é terceiro mundo. Dane-se o que pensam de nós. Se fossem episódios envolvendo jornalistas ingleses ou alemães, aí a coisa era outra. Com a opinião deles nos preocupamos a ponto de perder o sono. Veríamos matérias e mais matérias mostrando a repercussão desses eventos no hemisfério norte. Mas latino-americano? Sem problema. Não estamos preocupados com isso.
O viralatismo também teve espaço nas análises futebolísticas. Muitos analistas quase choraram de pena dos europeus por jogarem em temperatura e pressão diferente daquelas que enfrentam habitualmente. Mesmo que eles tenham jogado muitas vezes as 13 horas por pedidos da TV de seus próprios países, para que as partidas pudessem ser transmitidas em horários viáveis na Europa. Mesmo que naquele exato momento da partida em que os pobres europeus supostamente derretiam em campo, a temperatura em seu país fosse mais alta do que era na cidade em que a partida era disputada. Não importa. O que vale é sempre dar um jeito de salvar a alva pele européia (alias: vocês conhecem alguém que deu algum desconto para a seleção brasileira de 1978 por ter disputado uma copa no gélido inverno argentino?)
No fim o resumo da ópera é: nascemos, crescemos, vivemos e morremos no Brasil. Conhecemos este país mais do que qualquer gringo jamais comhecerá. Óbvio, não? Nem tanto. A maioria de nós age como se achasse que uma visão sobre o país só fosse válida se fosse referendada por algum branco do hemisfério norte que passou algumas semanas aqui. Enquanto precisarmos disso, o viralatismo seguirá vivo.
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