quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A hora da auto crítica

Sou eleitor do governo. Mais que isso: militei insanamente por Dilma. Chorei como nunca quando ela ganhou a eleição. Não tenho a mais vaga dúvida que fiz o certo. Não podemos mesmo sair de um governo que proporcionou tantos avanços sociais para cair em um discurso que apenas prega o elitismo e o ódio ao que nosso governo está fazendo. Mas vamos combinar: precisamos fazer uma auto crítica muito séria. Muitas coisas não estão bem. Enumero algumas:

1) Corrupção. Evidentemente o PSDB não tem nenhuma moral para criticar o PT por isso. Nem nenhum grupo oposicionista. Todos tem lá seus episódios de corrupção, e não são poucos nem pequenos. Mais que isso: a oposição usou os episódios de corrupção do governo atual para despejar seu ódio pelo fato de a vida dos pobres ter melhorado nesses 12 anos. Não podiam confessar sua visão de elitista de mundo, então vociferavam contra o mensalão, como se só houvesse corrupção no PT. Hipocrisia pura. Mas isso não pode esconder para sempre o fato de que nosso governo deixou a roubalheira continuar como sempre. Semana passada, no dia seguinte à eleição, conversava com um sujeito que considero um dos melhores historiadores brasileiros, e ele me dizia "puta merda, cara, os camaradas precisam parar de roubar, pelo amor de deus". É isso. A hipocrisia e a histeria moralista e demófoba da oposição não podem ser usadas pra sempre como desculpa para as besteiras que acontecem no governo.

2) Por uma agenda do século XXI. Fantástico que o governo combata a pobreza. Isso é uma agenda do século XX que chegou viva ao século XXI graças à absoluta falta de sensibilidade social dos governos que vieram antes do PT. Como sabemos, isso garantiu a quarta vitória seguida ao PT. O nordeste mais uma vez despejou em massa seus votos pela manutenção de quem olhou por eles pela primeira vez em 500 anos. Maravilha. Mas e a agenda que domina o século XXI? Em relação a ela não tivemos nenhum avanço em 12 anos. Morrendo de medo dos conservadores e evangélicos, o PT nada fez em relação a coisas como política para drogas, direitos para homossexuais, aborto, e coisas assim. Profundamente lamentável. É claro que qualquer governo precisa estabelecer uma maioria parlamentar para governar, mas não é possível que fiquemos o resto da vida nos ajoelhando perante pessoas que vivem na Idade Média. Cristina Kirchner, por exemplo, entrou pra valer na briga pelo "matrimônio igualitário", e conseguiu aprová-lo, mesmo que com isso ganhasse a oposição virulenta do arcebispo de Buenos Aires, aquele mesmo que hoje se chama Papa Francisco e é o queridinho da esquerda. Em algum momento essas brigas terão de ser compradas.

3) Desastre político ideológico. Nos aspectos sociais e econômicos Lula e Dilma foram muito bem. A pobreza foi reduzida drasticamente, o país cresceu, o desemprego é baixíssimo. Mas a grande e incômoda verdade é: após 12 anos de governo petista o Brasil é tão conservador como sempre foi. Pior que isso: o governo petista estimulou uma verdadeira letargia ideológica no campo da esquerda. Algo como: se ganharmos a presidência o resto que se dane. Por isso elegemos esse congresso tão reacionário: simplesmente não demos importância a isso. Só pensamos na eleição para presidente. Por isso votamos em massa em péssimos candidatos a governador, simplesmente por que o PT decidiu que isso era melhor para garantir as alianças nas eleições presidenciais. Aqui em Pernambuco, por exemplo, o PT apoiou um tipo lamentável como Armando Monteiro. Votei no candidato do PSOL, mas meus amigos da minha geração em sua maioria votaram em Armando, envergonhados, mas achando que era o melhor para o partido. Já meus alunos de vinte anos não tiveram pruridos: votaram nesse lixo sem nenhuma dor de consciência. É a geração que o PT está criando. De esquerda, mas sem nenhuma preocupação com a coerência. Não é que meus alunos estejam errados. Simplesmente são filhos desse governo. Se preocupam com a vitória nas eleições presidenciais. (meus alunos, eu amo vocês, mas lamento muito que vocês tenham se formado politicamente sob essa lógica descrita acima. vocês podem e merecem mais que isso)

4) Alianças. Mais uma vez: existe uma coisa da qual não podemos fugir chamada governabilidade. Ok, qualquer governante precisa se aliar a pessoas com quem não sente qualquer identidade política. Mas precisamos mesmo ver Lula e Haddad tirando foto ao lado de um decadende Paulo Maluf que ainda por cima se mostra incapaz de transferir seus hipotéticos votos para o PT? Realmente nos ajuda em algum sentido ver Fernando Collor de Melo, contra quem minha geração foi à rua e que causou uma derrota que nos traumatizou pela eternidade, a nosso lado pedindo votos para Dilma? Talvez nada ilustre melhor o que digo neste item do que a patética imagem de um Sarney cambaleante com adesivo da Dilma e votando em Aécio. Realmente precisamos disso para a governabilidade?

5)O abandono das ruas. Uma das mais gloriosas tradições da esquerda mundial é seu amor pelas ruas, assim como sua inserção nos movimentos sociais. E essas eleições testemunharam uma absurda indiferença do PT nesse campo. Não é que a campanha governista tenha fracassado em colocar a militância nas ruas. Ela simplesmente não tentou fazer isso. Parece claro que o partido se convenceu que para vencer basta fazer alianças que garantam um bom tempo na propaganda eleitoral gratuita e botar um marqueteiro competente para mostrar as realizações do governo para que a vitória seja certa. E o susto monumental que tomamos neste ano mostrou que não é assim. Quando as pesquisas mostraram Aécio à frente a duas semanas do segundo turno a militância quis tomar as ruas para ajudar Dilma, e isso pegou o PT de surpresa. Não estavam preparados para isso. Aqui no Recife a militância foi para a rua em eventos organizados fora do partido e sem nenhuma ajuda partidária. Os figurões nem se davam ao trabalho de comparecer. Pelo que me contam os amigos, a história foi a mesma em outras partes do país. Não pode. Simplesmente não pode.

Infelizmente não acho que o partido e o governo vão aprender qualquer coisa com o susto deste ano. Estão convencidos demais que o fato de ser o melhor governo da história do país garante sozinho a vitória nas eleições presidenciais, que é a única coisa que importa a eles. E se perder, ouviremos aquela lista de desculpas prontas: mídia golpista, blá blá bla. Uma pena.

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