domingo, 25 de agosto de 2013

Corrupção


O que começou como uma justíssima indignação contra uma série de problemas que afetam claramente nossas vidas terminou de forma muito estranha. O resultado dos protestos que tivemos em meados do ano foi a criação de um imaginário difuso que define a corrupção como o maior problema que o Brasil enfrenta.
Se indignar com a corrupção não é e nunca vai ser um problema. Cada centavo que escorre pelos ralos da roubalheira é parte da explicação para os problemas que temos. Discordar disso é brigar com os fatos. Corrupção sempre é ruim, e sempre deve ser combatida. Mas o que me aborrece não é isso. Meu aborrecimento tem outros motivos.
O primeiro: ser contra a corrupção não é, nunca foi e nunca será uma plataforma política. Para governar, é necessário ter políticas econômicas, sociais e culturais, bem como uma concepção de como se fazer política. Ser contra a corrupção não contribui minimamente para nada disso. Ser contra a corrupção é uma agenda negativa. Diz o que voce NÃO quer. Mas não diz nada sobre como você gostaria que o mundo fosse. Não dá para governar assim.
Outro problema é que esse ponto de vista faz com que governos passem a ser avaliados apenas baseado em um unico critério. O que não apenas leva a generalizações a partir de um aspecto específico, e por sinal, é super dificil de mensurar (como saber quanto de corrupção houve em um governo?), mas também faz com que ignoremos coisas muito importantes. Os governos Itamar-FHC acabaram com a inflação. Mas vamos achar que eles foram uma porcaria por conta da corrupção. Os governos Lula-Dilma tiveram avanços impressionantes na questão social. Mas o que importa é apenas a corrupção que aconteceu nesse intervalo de tempo. O Brasil melhorou muito nesses 20 anos, mas a gente acha isso irrelevante, já que esses governos tiveram episódios claros de corrupção.
Um problema adicional, e talvez o mais importante de todos, é que essa visão de mundo pode levar a um verdadeiro desastre. Normalmente o ódio à corrupção leva à constatação de que todo politico é ladrão. E a história nos ensina, da forma mais clara e cristalina possível, que normalmente isso leva à esperança de um outsider, não identificado à politica tradicional, que dê um jeito nisso tudo. Vejamos os exemplos recentes desse tipo de pensamento.
1960. Jânio se elegeu prometendo varrer a corrupção. Era de um partido pequeno, não queria se identificar com os politicos, que lhe pareciam viciados. Sem apoios e alianças, não conseguiu governar, renunciou e jogou o Brasil numa crise que culminou na ditadura.
1964. O golpe não foi especificamente voltado ao combate contra a corrupção, mas teve imenso apoio exatamente pela ideia de "acabar com essa baderna que os políticos criaram". O resultado foram 20 anos de ditadura, que terminaram com um país falido, dívida externa gigante e inflação em alta (nem vamos falar das violações aos direitos humanos, típica de qualquer ditadura).
1989. Cansado de corrupção, o Brasil elegeu como presidente um jovem, filiado a um partido pequeno. Esperando que ele desse um basta à "roubalheira". Estavam tão fixados na coisa da corrupção, tão maravilhados com a juventude e energia daquele que prometia ser um super-homem, que nem notaram que a seu lado, no palanque, estavam todos os que tinham colocado o Brasil naquela situação. Escolheram ignorar que elegiam um político criado pela ditadura, filho legítimo da oligarquia nordestina, esperando por algo diferente de tudo o que havia acontecido antes. Por um único motivo: a fama, cuidadosamente construída nos anos anteriores, de "caçador de marajás".
A triste constatação é: o Brasil está prontinho para repetir esses episódios. Politicas econômicas, sociais, culturais, nada disso importa. O que tanta gente quer é um super homem que apareça do nada dizendo que vai colocar um fim à roubalheira. Pode ter se criado nos partidos que estão aí. Pode ser apoiado pelos de sempre. Não importa. Basta se apresentar como "novidade", dizer que é portador de um "jeito novo de fazer política" e garantir que vai acabar com a corrupção. Se puder ter um verniz progressista então, perfeito.
O Brasil está pronto para um candidato que não tenha opinião sobre nada, não diga nada sobre nada, apenas se apresente como novo, mesmo que ninguém sabe o que ele pensa. Somos um bando de moralistas de direita querendo que alguém nos salve dessa bandalheira.
Marina Silva, o Brasil é seu. Tome posse logo.

4 comentários:

  1. Interessante reflexão Tiago, sugiro desenvolver mais os pontos centrais para a "salvação da pátria", Jânio Quadros, Ditadura de 64 e Collor de Melo, uma ótima aula de história da política na república recente, ajuda muito para o conhecimento da juventude atual!
    Ascísio, Santa Maria RS.

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  2. Muito bom, Tiagão! Até compartilhei porque foi uma sacada ótima! Só que isso é um desafio, porque parece um mal brasileiro, uma vez que se repete, sistematicamente, ao longo do tempo. Talvez esteja na hora de recorrermos à Freud e buscar uma explicação para uma "neurose social", quem sabe? Mal-estar na civilização? Hum? ... Peter Gay? rsrsrsr Abraço, meu velho.

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  3. enquanto seguirmos passando a mão na cabeça de quem corrompe-se e de quem corrompe, estaremos abertos a novos Maximilien de Robespierre falsificados na América Católica

    os descendentes de Roma gostam de fingir de vesgo para mamar em 2 tetas, desde Rômulo e Remo

    talvez no dia que apareçam verdadeiros incorruptíveis, pode ser que...
    levem-os para a guilhotina, para seguir do jeito que sempre foi

    MTavares, 26.ago.2013

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  4. Mto bom Tiago.
    Ultimamente tenho dito que não discuto mais sobre corrupção. Justamente por isso que vc pontuou. Uma das formas de domínio é focar em apenas um ponto em detrimento da totalidade. De um tempo pra cá absolutamente tudo passou a ser valorado através da corrupção, ou melhor, do quanto ela é exposta na mída, já que estão transformando os governos de Lula-Dilma nos "mais corruptos" da história do país. Gostei da idéia do Ascísio de transformar esse post numa aula de história política. Aí vc poderia fechar o período republicando lembrando que em 1930 Vargas assumiu para, entre outras coisas, acabar com a corrupção dos oligarcas da "velha" república. Ah, e a proclamação da república se deu, entre outras justificativas, para moralizar a corrupção da monarquia. Como dizia Renato Russo, apenas mais do mesmo! Mas mostrado sempre como novidade!

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